por Aaron Denlinger
Tendemos, talvez, a pensar no amor divino como algo parecido com, embora muito maior que, o amor humano. Tendemos, em outras palavras, a assumir que os sentimentos de Deus a nosso respeito são muito maiores e mais fortes, mas fundamentalmente similares ao que sentimos por nossos amigos e familiares mais queridos. E, em parte, estamos corretos. Teólogos tipicamente identificam o amor como um dos atributos “comunicáveis” de Deus; os atributos comunicáveis de Deus são, por definição, aqueles que, em virtude de termos sido criados à imagem de Deus, reconhecemos em nós mesmos de uma forma inferior e diminuída (por exemplo, o poder, a sabedoria, a presença, a bondade, a justiça, a misericórdia, etc.)
Entretanto, temos que lembrar que mesmo quando falamos dos atributos comunicáveis de Deus, quando falamos do “amor” e outros traços que Deus e o homem têm em comum, estamos falando de similaridades em analogia. Em outras palavras, o amor humano e o amor divino devem ser parecidos um com o outro, mas eles não são idênticos no tipo (mesmo já sabendo que são diferentes na quantidade). O amor de Deus não é apenas maior que o nosso, mas é também fundamentalmente diferente do amor humano em aspectos significativos. Explorar pontos específicos da diferença entre amor humano e amor divino pode nos ajudar aumentando nossa apreciação pelo amor divino (e assim pelo Amante divino), talvez mais ainda do que mentalmente multiplicar o amor humano por um milhão, toda vez que ouvimos uma referência ao amor de Deus.
Lutero nos ajuda nessa questão, ao destacar pelo menos um ponto fundamental de diferença entre o amor de Deus e o amor humano em sua “Dissertação de Heidelberg” de 1518. “O amor de Deus”, ele escreve, “não encontra, mas cria, o que é aprazível a si. O amor do homem vem a existir por meio do que é aprazível a si.”
Lutero acredita que a segunda metade de sua tese é óbvia, por isso gasta pouco tempo defendendo-a. O amor humano, ele observa, é responsivo. Ele responde a algo atraente ou desejável no objeto ao qual ele se refere, quer esse objeto seja outra pessoa, um animal ou alguma entidade inanimada. Em outras palavras, nós amamos aquilo que é, pelo menos aos nossos sentidos, amável. Mesmo a afeição paternal se conforma a este princípio.
Em contraste, o amor de Deus (fora de si mesmo) não necessariamente responde a algo atraente ou desejável no objeto ao qual se refere. Em vez disso, ele cria algo atrativo e cativante no (ou a respeito do) objeto ao qual se refere. “Deus… ama pecadores, pessoas más, tolos e fracos, para fazê-los retos, bons, sábios e fortes. Em vez de procurar seu próprio bem, o amor de Deus flui de si e dá o bem. Portanto, pecadores são cativantes porque eles são amados; eles não são amados por serem cativantes.” Deus não ama o que é amável. Deus ama, e em amar, ele torna os objetos de sua afeição amáveis.
É pouco provável que possamos descobrir, na experiência humana, alguma boa analogia à forma como o amor de Deus cria, em vez de responder, aquilo que é agradável a Deus (assim como também é discutível a possibilidade de boas analogias [https://www.youtube.com/watch?v=KQLfgaUoQCw] para a trindade na experiência humana). Isso, na verdade, é exatamente o ponto da tese de Lutero – que o amor de Deus é diferente do nosso amor, nesse aspecto.
Ainda assim, eu não pude evitar de pensar, à medida que eu re-lia a “Dissertação de Heidelberg” de Lutero essa semana, que a afeição de minha filha de dois anos, Geneva, por um objeto em particular (chamado “Filhote”) em seu crescente zoológico de brinquedos e animais de pelúcia, sustenta pelo menos alguma afinidade com o amor de Deus descrito por Lutero. Geneva pôs suas afeições em Filhote, um presente de um amigo da família, em uma idade muito jovem, e ela nunca voltou atrás. Filhote a acompanha onde quer que ela vá, e ele tem em seu corpo as marcas do constante cuidado dela. Ele nunca foi um brinquedo particularmente cativante em qualquer momento de sua carreira, mas depois de dois anos recebendo uma devoção quase obsessiva, ele está literalmente por um fio.
Se ladrões entrassem em nossa casa hoje à noite, tenho certeza que Filhote seria a última coisa que eles roubariam. Também tenho certeza que, depois das pessoas e do cachorro (de verdade) vivendo sob nosso teto, Filhote seria o próximo item que eu e minha esposa tomaríamos o maior cuidado em proteger. Em mais de uma ocasião minha esposa e eu tememos que Filhote tivesse sido perdido. Ele sempre aparece de novo (geralmente em lugares que nenhum animal de pelúcia deveria frequentar), mas nós já gastamos algumas noites frenéticas pensando que ele havia finalmente sido perdido e procurando um Filhote online para substituí-lo, imaginando se conseguiríamos ou não enrolar a Geneva e fazê-la acreditar que algo (ou alguém) que não Filhote era, de fato, seu amado brinquedo. Em tais noites, minhas estratégias assumidamente absurdas para substituir Filhote e convencer Geneva a aceitar o substituto têm tipicamente envolvido planos no sentido de colocar o Filhote substituto na rua na frente de nossa casa e atropelá-lo repetidas vezes esperando que ele possa por milagre emergir de tal abuso como algo parecido com o cachorro esfarrapado branco e marrom carregado por ela aqui, ali e em todo lugar.
As afeições de Geneva por Filhote foram inicialmente disparadas por alguma virtude inerente que ela, pelo menos, percebeu nele. Quanto a isso, suas afeições responsivas por Filhote não são como o amor criativo de Deus por nós. Mas nós podemos, eu acho, ganhar alguns vislumbres do valor que o amor de Deus por nós nos concede, ao considerarmos o valor que Filhote passou a ter em nossa casa em virtude da afeição de Geneva por ele. O fato de que eu entregaria primeiro minha carteira, meu computador ou as chaves do meu carro pra alguém, em vez de entregar o Filhote de Geneva, de forma nenhuma reflete o valor monetário de Filhote comparado a estes outros objetos; isso reflete, na verdade, o valor que ele acumulou pela simples virtude de ser amado.
Então, da mesma forma, nosso valor não está na nossa dignidade intrínseca (mesmo como criaturas feitas à imagem de Deus), mas no fato de que Deus nos ama, e está trabalhando em criar em nós aquelas qualidades que ele considera mais desejáveis. Reconhecer que o amor de Deus cria algo desejável em nós, em vez de responder a algo que já existe em nós, é uma verdade libertadora e emocionante.
Por mais que tenhamos que trabalhar para nos tornarmos amáveis (e para sustentar o amor que recebemos) em relação aos que nos são mais próximos, não precisamos trabalhar para sustentar o amor de Deus por nós ou o valor que o amor de Deus nos imputa — não mais do que Filhote tem que trabalhar (como se ele pudesse) para sustentar as afeições de minha filha ou o valor que as afeições dela imputam a Filhote em nossa casa.
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