Como um presbítero, acho útil ler livros de pastores que
compreenderam o evangelho bíblico, ainda que tenham vivido em diferentes
séculos, continentes e culturas. Embora os principais pontos afirmados por
esses homens raramente sejam completamente novos, contudo, encontro uma
percepção nova e encorajamento específico a partir das perspectivas únicas
desses homens.
Escrito na Europa no início do
século XVI, Concerning the True Care of Souls [Sobre
o Verdadeiro Cuidado das Almas], apresenta uma ilustração da séria e alegre
responsabilidade do pastoreio. Martin Bucer escreveu o livro para que os
cristãos “entendam minuciosamente o que é a igreja de Cristo, qual a regra e a
ordem que ela deve ter, quem são os verdadeiros ministros e como eles devem
exercer o seu ministério no cuidado das almas” (xxxiii). Embora existam muitas
pérolas pastorais no livro, este resumo enfocará em alguns pontos que os
pastores podem aplicar no ministério hoje.
O contexto
de Bucer
Martin Bucer (1491-1551) não é tão conhecido quanto João Calvino
ou Martinho Lutero, mas durante o século XVI, os escritos de Bucer e a reforma
da igreja em Estrasburgo tiveram muita influência. Por exemplo, Calvino olhou
para a eclesiologia de Bucer quando se esforçou para reformar Genebra. Bucer
também obteve uma reputação como um mediador que buscava a unidade teológica
mesmo quando esta parecia improvável.
Embora haja muito o que aprender com Bucer e “Sobre o Verdadeiro
Cuidado das Almas”, ele ainda omite algumas questões. Por exemplo, sua
compreensão da relação entre a igreja e o estado, embora melhorada em relação à
cristandade medieval, permanece confusa. Além disso, seu uso regular do termo
“penitência” não é útil, pois poderia ser mal interpretado que ele estava
ensinando teologia semelhante à teologia dos Católicos Romanos.
Sobre o arrependimento genuíno
Em uma recente reunião de presbíteros na igreja em que eu ajudei
o pastor, discutimos sobre o que fazer com um membro que repetidamente fornica
e depois expressa ostensivamente estar arrependido. Esta situação, comum nos
dias de Bucer e Calvino, é talvez ainda mais prevalente em nossos dias. Como os
pastores hoje respondem aos membros que cometem pecado público grave, como a
prostituição repetida ou o divórcio ilegítimo? Bucer argumenta que a igreja
deve lidar com esses pecados graves “com grande seriedade e verdade, e não pode
omitir ou perdoar os pecados de ninguém, exceto daquele sobre quem pode ser
reconhecido, na medida do possível, estar verdadeiramente triste por seus
pecados e comprometido de todo o seu coração a caminhar em retidão. Mas essa
verdadeira tristeza e compromisso com a reforma após pecados mais sérios e
grosseiros não é provada por alguém que se afasta do pecado que cometeu,
simplesmente por dizer: ‘Sinto muito, não o farei novamente’ (118; cf.. 160
-161). Falando sobre a mesma situação, Bucer afirma posteriormente que a igreja
deve buscar “muitos e sérios indícios de seu arrependimento” (161).
Ecoando a seriedade com que as Escrituras lidam com esses
pecados (cf.. 1 Coríntios 6.9-11; Efésios 5.3-7; Gálatas 5.19-21), Bucer
fornece uma correção útil para o nosso tempo em que podemos nos tornar
habituados com aquilo que a nossa cultura e corações pecaminosos celebram. Então,
companheiro presbítero, como você está avaliando um arrependimento genuíno,
especialmente em casos de pecados públicos e graves? O membro em questão toma
medidas para evitar o pecado, como romper um relacionamento, encontrar um novo
emprego ou mudar a sua situação de moradia? Se não, considere ser apropriado
atentar ao conselho de Bucer: “Não é correto que [a igreja] perdoe alguém assim
que diz: ‘Eu me arrependo dos meus pecados’, quando não há nada que indique
este arrependimento” (136). Bucer observa que “todo cristão verdadeiramente
arrependido se comprometerá de forma muito sincera e alegre com toda a correção
e humilhação propostas pela igreja, pois ele terá mais consciência da
misericórdia de Deus e do amor verdadeiro de todos os santos” (134). Embora
seja impossível discernir perfeitamente o arrependimento e a motivação de
alguém, os pastores podem e devem buscar sinais de que um arrependimento
professado é genuíno, recusando-se a aceitar alguém que simplesmente diz:
“Desculpem-me, não farei mais isso” (161).
Sobre a disciplina eclesiástica
Para pessoas do século XXI como eu, o tema da disciplina
eclesiástica soa como algo rude e abusivo. Ainda que se exercida indevidamente
com certeza, e tristemente, pode sê-lo, porém Bucer fornece uma visão diferente.
Conhecido como um homem pacificador do século XVI, Bucer afirmou que “se a
igreja realizar esta disciplina com adequado fervor, o Senhor, o principal
Médico das pobres almas, a abençoará com êxito e um grande e notável fruto”
(143). Quantos cristãos sofrem com o abuso da falta de cuidado espiritual nas
mãos de pastores que se recusam a prestar atenção aos conselhos de Bucer e,
mais importante, do próprio Cristo (cf… Mateus 18.15-20)?
Falando sobre a disciplina eclesiástica amplamente definida,
Bucer escreve que “se apenas este remédio das almas fosse prescrito e aplicado
com a moderação e diligência que falamos acima, isso apenas poderia e iria
resultar, por esta ser uma obra e ordem Cristo, em operar grande piedade e
reforma, em vez de ser meramente prejudicial ou impossível” (151). Como Bucer
observa, há necessidade de muita sabedoria, cuidado e moderação nesta questão,
mas é certo que a disciplina é necessária. Evitar lidar com o pecado — ou seja,
com o seu próprio ou de outro cristão — pode gerar menos trabalho, mas também
demonstra menos amor.
Continua na Parte 2.
***
Fonte: Voltemos ao Evangelho
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