Por Livan Chiroma
Prometiam uma “Nova Unção”. Há cerca de 20 anos o campo religioso evangélico brasileiro estava praticamente estático. O costumeiro declínio numérico das igrejas históricas e o crescimento quantitativo das igrejas neopentecostais, ambos inevitavelmente demonstrado nas estatísticas.
Era inicio dos anos 2000 e os movimentos do tabuleiro evangélico dos
próximos anos já pareciam definidos: Caio Fabio, fundador da AEVB (Associação
Evangélica Brasileira) havia se retirado do Brasil. Durante muito tempo
ele foi o opositor ideológico da IURD (1977). A Associação foi
soerguida para criar polaridade às organizações neopentecostais, que
ganhavam poder político e
econômico e inseriam a Teologia da Prosperidade nas igrejas brasileiras.
No entanto, Caio foi acusado de envolvimento com o “Dossiê Cayman”,
além de cometer o “pecado abominável número 1″ dos evangélicos, o pecado
moral de um relacionamento extra conjugal. Foi execrado pela opinião pública evangélista. A AEVB se fragmentou. Isto aconteceu em 1998.
No início dos anos 2000, na mesma Igreja Batista que catapultou o cisma na Convenção Batista Brasileira (CBB) (nascendo a Convenção Batista Nacional
– 1965), emergiu uma “nova unção” para o Brasil. Márcio Valadão, pastor
da Igreja Batista Lagoinha, havia enviado seus filhos para uma
temporada no instituto Christ For The Nation, Ana e André foram
treinados teologicamente como avivalistas e no movimento da “Chuva
Serodia”. O movimento carismático Later Rain afirmava que a geração
contemporânea seria uma “geração escolhida”, portanto receberia uma
“chuva fora do tempo”. Chuva de bençãos, de prosperidade e do
avivamento.
Aos que viveram o protestantismo nos anos de 1990, só o advento do grupo Vencedores Por Cristo havia provocado tamanha onda transformadora cultural, sobretudo na área musical. O VPC rompeu barreiras
musicais, inserindo o rock e ritmos brasileiros no protestantismo
evangélico e apresentou às igrejas brasileiras um louvor congregacional
destoante dos hinos do séc XVI-XIX até então padrão na maioria dos
cultos evangélicos. Mas isso foi nos anos 70. Como o retorno de Ana
Paula Valadão ao Brasil, a cantora e filha do pastor principal da Igreja
da Lagoinha passa a liderar os momentos musicais junto à uma das bandas que conduziam adoração nos cultos da Igreja
Batista da Lagoinha. Conforme seu relato, tem uma visão: durante um
banho, envolta à água e as espumas do chuveiro, antevê, em sua profecia
particular, que o Brasil seria banhado por uma onda de despertamento
espiritual. Este evento fundante alavanca a gravação do primeiro CD da
banda, que até então era simplesmente um grupo que entre outros que
ministravam os momentos litúrgicos nos cultos da IBL. Produzido e
masterizado no exterior por Randy Adams, o CD explodiu em vendas. A
escolha de Adams foi certeira e trouxe um padrão sonoro e de
masterização de alta qualidade dificilmente encontrada nas produções
evangélicas nacionais. A compra dos direitos da canção “Shout to the
Lord“, composta por Darlene Zschech, líder do ministério cristão
australiano “HillSong” impulsionou a fama do grupo. “Shout to the Lord”
era um sucesso garantido e o grupo “Diante do Trono”, já em seu primeira
investida fonográfica, alcança destaque nacional.
Liderado por Ana, o grupo “Diante do Trono”, vendeu mais de 10 milhões
de CDs e, concomitante à atuação fonográfica, impulsionou diversas novas
linhas teológicas e eclesiologias pelo Brasil. Este ministério
evangélico não só foi o maior catalisador musical do movimento gospel
durante os anos 2000 como protagonizou uma segunda onda cultural na
música cristã evangélica brasileira. Os protestantes históricos, urbanos
e pós modernos, não vivenciavam outros horizontes litúrgicos por
décadas. Agora seria diferente. As igrejas pentecostais e históricas
estavam culturalmente estáticas, sem grandes alterações morfológicas e
gramaticais e, apesar de certas tentativas para alterar o desenho das
igrejas protestantes como a “Igreja com propósito”, “Rede Ministerial”,
estes sistemas eclesiásticos soavam, para a maioria do grande público,
gerenciais e americanizadas demais – tais fiéis históricos tinham um
novo paradigma – a “nova unção”, operando principalmente através da
música gospel e o sistema de igreja em células, que disciplinava os
membro das igrejas à “ganhar, consolidar, treinar e enviar”.
Na carona do DT veio o G12 – sistema de células – criado 10 anos antes,
em Bogotá. No inicio da década passada foi uma enxurrada de pastores
históricos e pentecostais aderindo ao sistema, nem sempre com respeito à
suas denominações e membresias. Os crentes tradicionais ficaram
confusos. O que estaria acontecendo quase que “do dia pra noite”?
Em dez anos o deslocamento cultural foi efetivado – os antigos grupos
musical das igrejas locais protestantes realizaram uma repaginação
estética e estrutural/teológica. Igrejas perdiam membros e o solo se
moveu de maneira sem precedentes, uma verdadeira hemorragia e circulação
dos membros, em direção às igrejas “avivadas”. Ouvi-se sobre “a igreja
onde as pessoas caem no chão, em êxtase” (fenômeno “reciclado” dos anos
de 1960. Porém o fenômeno, que em um período anterior, era experimentado
em esfera privada, discretamente, a partir de sua versão contemporânea,
era exposto midiaticamente pelos famosos artistas gospeis durante suas
apresentações, virou “hit”). Em um Brasil pós ditadura militar e com o
amadurecimento do neoliberalismo, cuja transversalidade influenciava
outros setores estruturantes para além da economia, os sujeitos agora
podiam operar suas próprias escolhas. A liberdade religiosa possibilitou
o intenso trânsito das saberes do sagrado – sair de suas denominações
familiares para outras (ou até, migrar para outras religiões não
herdadas), mais modernas e conveniente, não era mais considerado como
tabu ou afronta à religião dos pais.
Nesta onda surgiram novos grupos, novas teologias, novas “moveres”. Toneladas de novas bandas
e pastores midiáticos. Também neste movimento o líder de adoração foi
elevado ao status de um pastor. Considerados “levitas” que podiam
“ministrar” ou seja, antecediam casa canção com uma pequena pregação.
Antes o estreitamento com as escrituras era condicionado ao Pastor
protestante (Para o pós moderno a experiência proporcionado pela arte e
pelos sons pode ser mais interessante que ouvir um sermão explicativo da
bíblia ou frequentar um classe de catequização – a catarse emocional
como elemento de transcendência, que era comum ao pentecostal desde o
início do século XX, penetrava o culto do protestante histórico, em uma
espécie de “pentecostalização tardia”, o êxtase tornava-se também régua
na mensuração da espiritualidade do protestante comum/histórico). A
experiência emocional cúltica definitivamente tornou-se sobrepujante à
reflexão racional. O que os crentes assistiam no DVD ou no show gospel
precisava ser repetido em suas igrejas locais e nem sempre a cultura
eclesiástica local suportava tamanha e rápidas mudanças de paradigmas.
Hoje praticamente todas as denominações não católicas, tem em seus
repertórios, ao menos rabiscos desta Cultura Gospel, tornando-se quase
dominante à todos os viéses evangélicos.
Dificilmente alguém, sendo evangélico nos anos 2000, não ter ouvido
sobre os grupos musicais Filhos do Homem, Casa de Davi, Santa Geração,
Vineyard, David Quilan, Ludmila Ferber e muitos outros. Nesta mesma
época muitos acessaram novos arsenais espirituais para eu cardápio:
Vigílias no Monte, “mantras gospel”, unção com óleo, cânticos
espontâneos, shofares (uma espécie de “berrante”), batalha espiritual,
demônios territoriais, etc; anteriormente esses elementos eram
observadas em redutos específicos, a partir desta virada,
popularizaram-se e, em muitos casos, tornaram-se fundamentais na
experiência comunitária do culto cristão. Falava-se em uma “judaização
do cristianismo brasileiro”.
Costumes como “cair na unção”, atos proféticos, ser “pai de multidões”,
surgiram no léxico do campo religioso protestante. Uma interpolação do
antigo e novo testamento. Era um movimento tectônico poderoso de carga
simbólica intensa. Para se entregar ao “novo mover”, os crentes
precisavam transformar suas próprias biografias religiosas. A entrega ao
“irracional”, ao “sobrenatural” era necessária e muitos “históricos”
(batistas, presbiterianos, metodistas, …) “desde o berço”, através da
inserção de suas comunidade aos novos vetores, realizavam estas
metamorfoses ou, pelo menos, simulavam. Era preciso para “estar na
visão”, embora muitos “lá no fundo” relutavam em entrar na onda, no
entanto, com a adesão de suas igrejas e pastores ao neo carismatismo
protestante, abdicaram da teologia
conservadora, do estudo da bíblia como padrão de fé e confiaram suas
pertenças religiosas à estas “novas visões”, principalmente adquiridas
em congresso, CDs e literaturas que se espalhavam pelo Brasil.
Muitos se decepcionaram com estas promessas. Milhares, talvez milhões.
Nesta movimentação, diversas comunidade resistiram à tentação do crescimento
rápido, da evangelização fast food, propostas pelas novas técnicas.
Muita gente bem intencionada, pastores e lideres mais conservadores,
equilibrados, souberam realizar esta transição cultural com respeito.
Outros não. Muitos dos quais decidiram fechar os olhos e lançarem-se aos
novos movimentos, forçados pela pressão de grupos à “falarem em
línguas”, ser “líder de multidões”, etc; hoje, após o desgaste dentro
destes movimentos, optaram pelo desligamento, junto a muitos de seus
membros. Recentemente ouvimos falar sobre os desigrejados, evangélico
sem igreja, aumento do número daqueles desafeitos às lógicas
evangélicas. Também, pessoas com sérios problemas psicológicos
propiciados por abusos de pastores e lideres gananciosos. A lista é
grande…
Há de se discernir o “joio e o trigo”. Algumas comunidades “decantaram”
todo o movimento, assimilaram coisas e descartaram excessos. Além disso a
onda diminuiu e formarem-se algumas ilhas, regiões do “avivamento”,
como Belo Horizonte (sede do ministério Diante do Trono) e Manaus
(“capital” do G12, sede do ministério de Renê “TerraNova”). Também as
igrejas afins formaram redes e alianças, mais fios e traços dentro do
complexo mapa religioso brasileiro. Concluo sugerindo que a geração que
dança está passando, os jovens e adolescentes à época, tornaram-se
adultos, com maior senso crítico e de avaliação de significados. Ainda
não há sinais de uma nova onda tão significativa, ou então, tornou-se a
grande onda fracionada em diversas outras vagas?
E 10 anos depois? Como estão os filhos da “Geração que dança”?
***
Livan Chiroma é Comunicólogo, Teólogo e Antropologia Cultural
(graduando-Unicamp). Mestre em Ciências da Religião. Áreas:
Antropologia, Sociedade, Cultura, Mídia e Religião.
Fonte: Blog Poliscentro.
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