Por Fábio Campos
Não existe doutrina principal para o homem conhecer do que a da salvação. Por vezes penso que o “senso do sagrado” foi perdido por alguns. Tratamos o assunto de uma forma rasa, superficial, sem nenhuma tristeza para com os que se perderam do ponto de vista teológico. Quando o assunto é a alma do homem, precisamos abordar o tema com muito temor; não há como se regozijar na condenação de alguém; pois Deus não tem prazer na morte do ímpio (Ez 18.32). O contrário também é um fato que requer cuidado. Colocar todo mundo no céu [pela doutrina universalista] é roubar a casa do seu dono e dar moradia a qualquer um sem autorização do proprietário. Por isso precisamos de um equilíbrio trazendo o contexto à luz das Escrituras.
A salvação no decorrer
dos séculos foi apropriada por alguns grupos exclusivistas como sendo
seu patrimônio. Muitas seitas disseram no decorrer da história que a
salvação depende da conversão do indivíduo ao seu grupo, e que fora da
sua religião, não há salvação. O proselitismo é forte dentro destes
grupos (fica a dica para se diagnosticar uma seita; o exclusivismo
religioso). O Senhor deu uma promessa para Abraão; “por meio de ti todas
as nações serão benditas”. Isso foi cumprido na pessoa de Nosso Senhor
Jesus Cristo (Jo 1.1-14). Nele não há grego nem judeu (Gl 3.28). Até os
dias de hoje os judeus tomaram a eleição para si dizendo serem eles o
único grupo que possui a salvação. Para minha surpresa já escutei que
“não existe salvação fora do calvinismo”. Que absurdo! John Wesley está
no inferno? A igreja católica romana em sua confissão diz que “fora da
igreja não há salvação”.
O pai da reforma
protestante, Martinho Lutero, certa vez, disse que “pode haver salvação
fora da igreja, mas não fora de Cristo”. Muitos irmãos ficam de cabelo
em pé com esta citação, por isso é necessário entender o contexto e o
porquê Lutero disse tal coisa. Cipriano (200-258), um dos pais da
igreja, certa vez disse: “Quem não tem a igreja como mãe, não pode ter
Deus como Pai, e fora da igreja não existe salvação”. Na teologia de
Cipriano quanto à salvação, vemos o início de um sistema penitencial
plenamente formado. Eis então que surgem os manuais de penitencias para
todo o tipo de pecado dentro das igrejas ocidentais (católicas romanas).
Grandes teólogos argumentam que a teologia de Cipriano para unificar a
igreja foi extrema demais e que o resultado foi um afastamento do
cristianismo apostólico; ou seja, a igreja se institucionalizou segundo
os padrões do império Romano. A partir daí, o vigário (substituto) de
Cristo já não é mais o Espírito Santo, mas o bispo. Antes era “onde o
Espírito estiver ali também estará sua igreja”. O Ensino passou a ser
“onde estiver o bispo, ali também estará à igreja verdadeira”.
Neste contexto os
pré-reformadores lutaram com as Escrituras nas mãos contra este
distanciamento do ensino dos apóstolos. Em 1517 Lutero crava suas 95
teses na porta da catedral de Witterberg. Ao invés de usar “Só a
igreja”, ele diz “Somente Cristo”. Dentro disso Lutero afirma que a
salvação pertence a Deus e está com Cristo, autor e consumador de nossa
fé (Hb 12.1-3), e não com a igreja. Agora todos que pela fé receberam a
salvação em Jesus Cristo, em um só espírito, foram batizados em um só
corpo e lhe foram dados de beber de um só Espírito (1 Co 12.13). Lutero
diferenciou a igreja institucional do corpo místico de Cristo. Ou seja,
“o Senhor conhece aquele que lhe pertence” (2 Tm 2.19), e no tempo
devido, seus anjos, ajuntarão seus escolhidos, desde os quatro ventos,
da extremidade da terra até a extremidade do céu (Mc 13.27). O homem é
templo do Espírito Santo e o Reino de Deus está entre eles. Qualquer
lugar físico, leitura bíblica, e a exposição dos ensinos dos profetas e
apóstolos e o partir do pão com singeleza de coração são frutos da
verdadeira Igreja, pois onde dois estiverem reunidos no Seu Nome, Ali
Jesus se fará presente.
A Bíblia é clara em
dizer que “em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu
nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser
salvos” (At 4.12). Todos estão condenados devido a sua desobediência (Rm
11.32), e que não há um justo sequer (Rm 3.10). Mas Deus enviou Seu
Filho a semelhança de homem para condenar o pecado na carne, e todo o
que nEle crer, não perecerá, mas já tem a vida eterna (Rm 8.1). O homem
pode escapar do julgamento da Eclésia, mas não do trono de Deus (Ap
20.11-15). O julgamento terá um único crivo para a justificação ou para
condenação, a saber, Jesus Cristo (At 17.31). Quem crer, não será
condenado; quem não crer, este terá a condenação eterna.
Quando restringimos a
salvação a um grupo institucional estamos dizendo que Deus habita em
templos feitos por mãos humanas e depende deles para ser servido.
“O Deus que fez o mundo e
tudo o que nele há é o Senhor do céu e da terra, e não habita em
santuários feitos por mãos humanas. Ele não é servido por mãos de
homens, como se necessitasse de algo, porque ele mesmo dá a todos a
vida, o fôlego e as demais coisas”. (At 17.24-25 NVI)
Se for a religião que
tem o poder de salvar ou certa denominação, qual então seria a [Igreja]
perfeita para poder conferir salvação ao homem? Visto que o corruptível,
carne nem sangue, poderão herdar o Reino dos Céus. A igreja no seu
organismo institucional é imperfeita e por isso não poderá salvar
ninguém. Ela ensina o caminho, mas não é o caminho. Todos os
pré-requisitos em como se achegar a Deus foram preenchidos unicamente na
Pessoa do Filho de Deus e Deus o Filho, Jesus Cristo (Jo 14.6; 1 Tm
2.5). Nem todo membro de igreja que diz pertencer a Cristo, declarando
ser Ele o Senhor da sua vida – os que pregam, expulsam demônios e
realizam sinais e maravilhas no seu Nome - de fato, pertencem a Ele (Mt
7.21-23). Para muitos irmãos exclusivistas, caso a igreja de Corinto
estivesse entre nós, com os seus erros doutrinários e com sua baixa
moralidade, seria uma igreja de pessoas perdidas. O que dizer dos
gálatas? E a igreja de Pérgamo, Tiatira e Laodiceia do apocalipse, todas
com sérios problemas (Ap 2 - 3)? Imagino-os dizendo: “A única igreja
verdadeira é a de Filadélfia, pois nela não se achou erro, e fora dela
não há salvação”.
A salvação pertence a
Deus. Jesus sendo o doador dela [salvação] por ser o salvador dá a quem
quiser sem precisar dar satisfação a nenhum de nós, ou alguém se atreve a
ser o seu conselheiro? É muito interessante o ensino deste Salvador.
Ele dificultou a entrada dos ricos no Reino dos céus dizendo: "Como é
difícil aos ricos entrar no Reino de Deus” (Mc 10.23)! Dificultando mais
ainda, Ele usa uma figura de hipérbole dizendo ser “mais fácil passar
um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de
Deus" (Mc 10.25). Aos nossos olhos muitos queimarão no fogo do inferno. A
reação dos discípulos é mesma que a nossa: Os discípulos ficaram
perplexos, e perguntavam uns aos outros: "Neste caso, quem pode ser
salvo” (Mc 10.26)? Neste momento entra a graça incompreensível de Deus:
Jesus olhou para eles e respondeu: "Para o homem é impossível, mas para
Deus não; todas as coisas são possíveis para Deus" (Mc 10.27 NVI). Jesus
está dizendo não o que o homem considera possível, mas sobre o que
parece impossível (27). Para um homem é impossível que o camelo passe
pelo fundo de uma agulha, para Deus nada é impossível, pois não existe
coisa difícil que possa superar sua sabedoria e misericórdia, a qual
triunfa sobre o juízo.
Para os judeus os
samaritanos eram filhos do diabo e predestinados a condenação eterna.
Entra em cena novamente o Salvador, Aquele que venceu a morte e o
inferno. Um mestre da Lei O interroga [Jesus] sobre a vida eterna. Jesus
diz para ele que cumpra os dois principais mandamentos: “Ame o Senhor, o
seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todas as suas
forças e de todo o seu entendimento’ e ‘Ame o seu próximo como a si
mesmo” (Lc 10.27). O interprete da lei, teólogo e conhecedor profundo do
Tanak, não satisfeito e querendo se justificar, disse, “quem é o meu
próximo”. Era melhor ele ter ficado quieto.
O Salvador ilustra a
atitude de um salvo genuíno ao mestre da lei. Um homem tinha sido
espancado e assaltado estando praticamente morto. Passou por ele um
sacerdote e um levita, homens constantes no templo. Ambos não o
socorreram. O terceiro era um SAMARITANO. Pois é, o “endemoninhado” do
samaritano foi o perfil que Jesus ilustrou a atitude de um salvo. Este
diferente do sacerdote e levita, aproximou-se, enfaixou-lhe as feridas,
derramando nelas vinho e óleo. Depois colocou-o sobre o seu próprio
animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte, deu
dois denários ao hospedeiro e disse-lhe: ‘Cuide dele. Quando voltar lhe
pagarei todas as despesas que você tiver’ (Lc 10.34-35). Jesus disse
para aquele mestre da lei, “vá e faça o mesmo que fez o samaritano”,
pois aquele que de fato é salvo ama a Deus acima de todas as coisas e
demonstra este amor amando o próximo como a si mesmo. O samaritano não
era muito ortodoxo na teologia, mas na prática demonstrou ter fé que foi
comprovada pelas obras.
Teremos surpresas no
céu! O salvador disse: “Mas eu vos digo que muitos virão do oriente e do
ocidente, e assentar-se-ão à mesa com Abraão, e Isaque, e Jacó, no
reino dos céus (Mt 8.11); enquanto muitos que se dizem ser do Reino
“serão lançados nas trevas exteriores” (Mt 8.12). O que dizer do ladrão
na cruz que horas antes estava perdido blasfemando contra o Senhor
Jesus. Mas em um momento de lucidez, convencido pelo Espírito, aos 45
minutos do segundo tempo, escuta do Senhor que é autor da Salvação:
“Hoje mesmo estará comigo no Paraíso”. Meu Deus, que Deus é esse? Este é
o Senhor Jesus! O ladrão na cruz foi justificado não pelas obras de
justiça que tivesse feito, mas segundo a misericórdia de Deus (Tt 3.5).
Ele nunca pertenceu a uma igreja [ou sinagoga]. Em uma questão de
segundos foi inserido na Igreja Verdadeira - aquela que reina pela
eternidade, pois um dia para Deus é como se fosse mil anos, e mil anos
como se fosse um dia.
Não sou a favor do
movimento dos desigrejados, pelo contrário. A Bíblia ordena que
congreguemos (Hb 10.25) e que pelo dom dispensado pelo Espírito Santo
possamos em unidade aperfeiçoar o corpo de Cristo (Ef 4.11). É na
congregação que nos ajudamos. Se mantivermos comunhão uns com os outros,
o sangue de Jesus nos purifica de todo pecado. Congregar é um
mandamento bíblico! O salvo faz alguma coisa; ele vive como salvo, digno
da sua vocação. Porém, quando concordo com Lutero quando diz que “pode
haver salvação fora da igreja”, digo que a pessoa que invocar o nome do
Senhor, ainda que em um leito de morte, sem ao menos ter pisado em uma
igreja, será salvo (Rm 10.13). O Dr. Martyn Lloyd-Jones na exposição que
fez de Rm 8.16 que diz: “O mesmo Espírito testifica com o nosso
espírito que somos filhos de Deus”, afirma que “o testemunho do Espírito
ao nosso próprio espírito é mais do que o resultado de um processo
racional, pelo qual o crente chega à certeza da salvação. Segundo ele,
trata-se de uma certeza dada de forma imediata (sem o uso de meios) pelo
Espírito, diretamente à nossa consciência”. O Senhor poder trazer a
memória do perdido lembranças e ensinos ministrados no decorrer dos anos
que poderão ser gemidos pelo Espírito invocando a vontade de Deus que
ninguém pereça, mas tenha vida mediante o arrependimento dos pecados.
Porém, aqueles que
discordam de Lutero precisam explicar em quem mais pode haver salvação
se não for em Cristo. O Senhor não se restringe há um espaço de tempo. A
mensagem do Evangelho é muito generosa (Jo 3.16) para ser doada por
homens que dizem serem eles proprietários dessa salvação. Não estou
fomentado que os homens se arrependam no leito de morte. Até mesmo
porque estarão perdendo os benefícios ganhos pela comunhão com Deus
através de Jesus Cristo: paz, mansidão, bondade, domínio próprio e
outras coisas mais. Um salvo em Cristo não consegue ficar fora da
comunhão dos santos. Minha questão não é com aqueles que se dizem salvos
e não querem congregar. A questão que abordo é quando o indivíduo, no
leito de morte, assim como o ladrão na cruz, se arrepende e invoca a
Cristo. Não consigo compreender como um salvo fica fora da comunhão dos
santos. Algo está errado.
Gostei muito de uma
frase dita pelo Pastor Ariovaldo Ramos: “A pregação é um departamento
dos homens; a salvação é um departamento de Deus”. O papel da igreja é
pregar em tempo e fora de tempo, sabendo que quem dá o crescimento é
Deus. Nós não temos provas empíricas do que o Espírito Santo tem feito
no coração dos homens. Só Ele pode penetrar por Sua Palavra e discernir
os pensamentos e as intenções do coração. Nossa obrigação é plantar e
regar, porém o crescimento vem de Deus e poderá ser finalizado no último
suspiro.
A salvação é pela graça,
por meio da fé, não vem do homem, mas é um presente gratuito de Deus,
para que ninguém se glorie diante dEle (Ef 2.8-9). O mundo será julgado
pelo o que Cristo fez. E isso não depende das obras, mas daquele que
chama (Rm 9. 11-12). Ele terá compaixão de quem quiser (Rm 9.15). Será
inútil e tolo a criatura questionar o criador dizendo: “Nós trabalhamos o
dia todo para ganhar o mesmo daqueles que trabalharam apenas uma hora”.
Segue a resposta do dono da salvação: “Não me é lícito fazer o que
quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom (Mt 20.15)? A
salvação pertence a Deus e Ele dará a quem quiser, do modo que achar
melhor, e na hora que Ele, pela sua soberana vontade, estabeleceu.
Portanto, isso não depende do desejo ou do esforço humano, mas da
misericórdia de Deus (Rm 9.16).
Ó profundidade da
riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os
seus juízos, e inescrutáveis os seus caminhos! "Quem conheceu a mente do
Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? "Quem primeiro lhe deu, para que
ele o recompense?" Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A
ele seja a glória para sempre! Amém.
- Romanos 11.32-36 (NVI)
Soli Deo Gloria!
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Fonte: Ministério Beréia
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