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Malafaia em Águas de Lindoia: a organização do evento custou R$ 4 milhões (Foto: Mario Rodrigues ) |
Era início de
tarde de uma terça-feira de dezembro quando um ônibus saiu da Igreja
Evangélica Assembleia de Deus do Bom Retiro, localizada na Barra Funda,
rumo a Águas de Lindoia. “Que Deus abra o caminho contra as ciladas do
maligno”, anunciou o guia da excursão, antes de o veículo dar a partida.
Na cidade do interior do estado ocorreria a quarta edição da Escola de
Líderes da Associação Vitória em Cristo (Eslavec), um dos maiores cursos
nacionais para a formação de pastores.
Durante quatro
dias, cerca de 5.000 alunos, vindos da capital paulista, do interior e
de várias regiões do país, compareceram ao intensivão gospel, incluindo o
repórter de VEJA SÃO PAULO, que pagou R$ 700,00 pela inscrição e não se
identificou como jornalista na ocasião.
O criador e
principal instrutor do evento é o religioso Silas Malafaia, presidente
da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que reúne 120 igrejas no
Brasil. A entidade começou no Rio de Janeiro, onde mantém até hoje sua
base. Está entre as prioridades atuais acelerar a expansão em São Paulo.
Aqui, ele planeja abrir templo próprio em 2014 (por enquanto, Malafaia
prega semanalmente na Assembleia de Deus do Bom Retiro, de Jabes
Alencar) e mais de 250 outros endereços num prazo de dez anos.
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Wesley Rebustini, de 28 anos Cinco novas igrejas em 2013.
Foto: Mario Rodrigues |
No trajeto de
180 quilômetros até Águas de Lindoia, foi possível começar a conhecer
melhor o público variado atraído pela Eslavec. Havia pastores formados
que encaravam a oportunidade como uma espécie de pós-graduação na área,
muitos fiéis interessados em transformar a vocação num trabalho
remunerado (Malafaia chega a pagar salários mensais de até R$ 22.000 aos
maiores talentos) e alguns curiosos.
Quase todos
carregavam uma Bíblia na mão durante a viagem. A maioria dos rapazes
vestia calça de tergal e camisa social, enquanto as mulheres trajavam
saia jeans até a altura do tornozelo. Destoavam apenas uma bolsa Louis
Vuitton no braço de uma senhora e um reluzente relógio Gucci no pulso de
uma dona de casa, moradora do bairro de Higienópolis.
No caminho, um
grupo se reuniu no fundo do ônibus para discutir assuntos variados.
Celebraram a maior presença evangélica na programação da Rede Globo,
comentaram o movimento homossexual (“É uma tirania, esse povo quer ter
mais direitos que o resto da população”, afirmou um homem) e
esconjuraram o Carnaval (“Uma grande tentação para os jovens”, definiu
um senhor, sob os olhares de aprovação dos demais). Uma mulher
aparentando cerca de 40 anos contou que quase perdera a oportunidade de
estar ali devido a um acidente no qual rompeu o ligamento do pé direito.
“Entrei no Google para aprender alguns exercícios de fisioterapia, ungi
a região e agora estou nova”, explicou. O percurso de quase três horas
ocorreu num clima de tranquilidade, quebrado apenas numa ocasião pelo
grito de uma passageira. “Onde está o repelente, Senhor?”, dizia ela,
incomodada com os mosquitos zunindo sobre sua cabeça. “Misericórdia, meu
Jesus!”, bufava, enquanto desferia golpes no ar com um travesseiro.
Em Águas de
Lindoia, essa turma e as demais foram divididas em dezesseis hotéis do
município reservados exclusivamente aos evangélicos. No Casablanca, que
hospedou o repórter de VEJA SÃO PAULO, com diárias a partir de R$ 208,00
fora do período do evento, o quarto era partilhado com outros três
participantes, todos eles pastores (um de Mato Grosso do Sul, outro do
Maranhão e o último do Pará). No frigobar, havia apenas água mineral e
refrigerantes. Por ordem dos responsáveis pela Eslavec, bebidas
alcoólicas são proibidas durante os dias do curso.
Os
organizadores investiram R$ 4 milhões para realizar o evento e
distribuíram, de graça, 3.000 matrículas num sorteio promovido pelo site
da igreja de Malafaia. Uma das contempladas, a paulistana Sarah Leitão,
de 21 anos, diz ter recebido um chamado de Deus para ser pastora.
“Minha hora vai chegar”, confiava ela.
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Sarah Leitão, de 21 anos: “recebi um chamado de Deus para ser pastora” (Foto: Mario Rodrigues )
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A apresentação
de Malafaia abriu as atividades, realizadas num centro de convenções.
Quando ele surgiu no palco, muitos levantaram seus smartphones e tablets
para fazer fotos e vídeos. Malafaia concentrou sua fala nas qualidades
essenciais a um bom líder. Entre elas, está a de sempre honrar o pacto
de fidelidade à sua igreja de origem, numa alusão clara aos que deixam
os templos levando junto parte do rebanho e do respectivo dízimo. “Temos
de respeitar quem nos tirou a fralda no Evangelho”, afirmou, ganhando
aplausos do público.
Antes de cada
palestra, uma espécie de supermercado da fé tomava conta do local, com
anúncios de descontos em livros, DVDs e CDs evangélicos. “Você compra
com cheques para trinta ou sessenta dias, revende ao pessoal da sua
igreja e ainda ganha um cascalho”, sugeriu Malafaia.
Outros colegas
deram prosseguimento aos trabalhos, enfatizando sempre as regras do
ofício que consideram sagradas. Quando um pregador for designado para
uma cidade distante da sua, por exemplo, deverá sempre comprar um imóvel
para estabelecer raízes e não se sentir um exilado. “A população local
vê essa atitude com bons olhos”, disse o pastor Silmar Coelho.
Adultério e
prática homossexual são pecados imperdoáveis. Para deixar claro quanto a
família é importante, a mulher do religioso deve estar sempre presente
nas atividades e orações. “Ajuda a não dar margem a fofocas”, justificou
Coelho, usando em seguida um exemplo pessoal para reforçar esse ponto
de vista. “Quando minha esposa estava grávida, chegou a acompanhar meu
culto, mesmo sofrendo graves dores nas costas”, relatou. Mais aplausos
da plateia.
Num cercadinho
onde só entravam convidados da organização, havia uma área vip para
alguns estudantes, ocupada por pessoas como Sarah Sheeva, uma das filhas
do casal de cantores Baby do Brasil e Pepeu Gomes. “Fui ungida pastora
adjunta da minha igreja no Rio, a Celular Internacional, então não ganho
salário e vivo da venda dos meus livros”, afirmou. As obras em questão
são de literatura gospel — Onde Foi que Eu Errei, sobre a aflição dos
pais que se perguntam por que os filhos foram para o caminho errado, e
Defraudação Emocional, título de autoajuda para evitar tropeços na vida
sentimental.
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Sarah Sheeva: integrante da plateia vip (Foto: Mario Rodrigues ) |
Outra grande
estrela da Eslavec foi o americano T.D. Jakes, da Potter’s House, de
Dallas, uma das maiores igrejas evangélicas dos Estados Unidos. Em seu
currículo, constam feitos como a realização do discurso de despedida no
funeral da cantora Whitney Houston, em fevereiro de 2012. “Ele cobra US$
300.000 por palestra, mas para mim fez por US$ 60.000”, contou
Malafaia. A cada fala do americano, um negro forte e alto, o pastor
Gidalti Alencar, baixo e mirrado, traduzia sua fala remedando seus
gestos com as mãos. “Os jovens estão com a força e devem assumir a
vocação que Deus lhes deu, conquistando fiéis com a palavra do Senhor”,
pregou o bispo de Dallas. Numa de suas aulas, pediu aos alunos entre 18 e
25 anos que entoassem uma oração à meia-noite daquele dia. Aplicados,
os aprendizes promoveram rezas, gritos e cantorias no horário combinado,
fazendo com que os hotéis onde estavam hospedados tivessem um clima de
rave de Jesus.
Nos últimos
anos, os evangélicos vêm crescendo rapidamente no país. Só na cidade de
São Paulo, os adeptos passaram de 1,6 milhão de pessoas, em 2000, para
2,5 milhões, em 2010, representando hoje 22% da população da metrópole.
Com mais rebanho para cuidar, aumentou também a necessidade de acelerar a
formação dos pastores. O evento da Eslavec é um exemplo do atual grau
de profissionalização do negócio. “Temos muitos pastores em ação, mas
poucos são verdadeiramente qualificados”, afirmou Malafaia.
Na capital,
atuam aproximadamente 30.000 líderes da religião, segundo estimativa do
Sindicato dos Ministros de Cultos Religiosos Evangélicos e Trabalhadores
Assemelhados do Estado de São Paulo. Criada em 1999, a entidade surgiu
com o objetivo de garantir os direitos trabalhistas da categoria. “Para
não aumentarem seus custos, alguns donos de igrejas não remuneravam de
forma adequada, e a Justiça demorou a aceitar que essa era uma profissão
como as outras, com direitos e deveres da parte do empregador e do
empregado”, explica José Lauro Coutinho, pastor da Assembleia de Deus e
fundador do sindicato. Segundo seus cálculos, cerca de cinquenta
evangelizadores moveram ações nos últimos dez anos cobrando dívidas e
pedindo indenizações.
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Valdemiro Santiago: parte do dízimo engorda a renda dos funcionários (Foto: Hélio Hilarião/Folhapress )
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Atualmente, de
modo geral, a política das principais igrejas é valorizar a mão de obra,
protegendo-a da cobiça das concorrentes. Comuns no meio corporativo, as
estratégias para reter talentos e premiar funcionários que cumprem
metas de lucros foram incorporadas ao mundo neopentecostal por Edir
Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus.
Nos anos 90,
quando ela passava por um forte processo de expansão, Macedo criou um
meio de supervisionar seus encarregados. Eles permaneciam, em média, de
um a dois anos em um templo para evitar que saíssem para abrir a própria
igreja, levando os fiéis.