Por Gutierres Fernandes Siqueira
Não há nenhuma evidência bíblica que indique o Batismo no Espírito Santo como uma condição necessária (conditio sine qua non) para o recebimento dos dons espirituais.
Essa “doutrina” não é nem bíblica-teológica e nem oficial na Igreja
Evangélica Assembleia de Deus, como alguns erroneamente pensam, porém é
mais uma “ensino” popular e fruto da oralidade que ganha um contorno de
autoridade e oficialidade. O Antigo Testamento é cheio de exemplos de
dons espirituais em ação, ainda que o Batismo no Espírito como
revestimento de poder não havia sido concedido, logo porque não existia a
Igreja com a missão gentílica.
O respeitado teólogo assembleiano Anthony D. Palma escreveu:
“O Batismo no Espírito Santo é um pré-requisito para receber os dons espirituais”. Mas onde encontramos isso nas Escrituras? O povo de Deus experimentou todos os dons nos séculos anteriores ao Dia de Pentecostes. É mais correto dizer que o batismo no Espírito Santo intensifica a sensibilidade e a receptividade espirituais, fazendo da pessoa um candidato mais propenso aos dons espirituais. Isso é amplamente demostrado pelo fato de que há maior incidência dos dons entre aqueles que foram batizados no Espírito Santo do que entre os que não foram. [1]
Outros teólogos assembleianos que trabalham essa questão são William e Robert Menzies. Eles lembram que associar o Batismo no Espírito Santo (isto é, o dom do revestimento) no texto lucano com os dons espirituais ensinados pelo apóstolo Paulo é não respeitar os respectivos contextos [2]. O batismo no Espírito Santo, nunca custa lembrar, não mantém
uma ligação direta com os dons. Sim, é possível falar que o Batismo
ajuda na recepção de experiências, mas não é condição nata. Isso porque o
batismo é um revestimento de poder para testemunho do Evangelho entre aqueles que ainda não abraçaram Cristo
como Salvador (cf. Atos 1.8). Enquanto isso, os dons visam a edificação
da Igreja (cf. 1 Co 14.12). O batismo capacita a Igreja para a
evangelização, enquanto os dons edificam a Igreja entre os já
convertidos e, assim, é parte do discipulado. E, também, é necessário
lembrar que o próprio Batismo no Espírito Santo é um dom.
E as línguas? Bom, é possível falar em línguas sem o batismo no Espírito Santo? Essa é uma questão controversa e para resolver o empasse a teologia assembleiana [3] costuma diferenciar a língua estranha como sinal e/ou dom. Enquanto sinal, todos os batizados recebem como evidência física inicial no momento do revestimento de poder. Agora, como dom alguns recebem em forma de variedade. O sinal é normalmente um louvor, ou seja, uma proclamação para Deus, enquanto o dom de
variedade de línguas é normalmente equivalente a uma profecia,
portanto, uma mensagem para homens (cf. Atos 2.11 comp. 1 Coríntios
14.2, 5). Essa diferenciação é bem carente da base escriturística
sólida, pois a variedade de línguas pode- muito bem- ser um louvor
ampliado e, mesmo interpretado para edificação coletiva, seria um
cântico ou oração de engradecimento (e não uma mensagem profética)
em idioma local. Por exemplo, não somos edificados com os Salmos? A
língua interpretada pareceria mais um salmo do que uma profecia, logo
porque as referências bíblicas indicam que a língua tem uma direção
vertical e não, necessariamente, horizontal (cf. Atos 2.11; Romanos
8.26; 1 Coríntios 14,2, 14, 15; Efésios 6.18; Judas 20).
Agora,
é sim possível dizer que o dom de línguas tem uma relação especial com a
natureza do próprio Batismo no Espírito Santo, diferente dos outros
dons que em nada dependem dessa experiência. O apóstolo Paulo indica que
a língua é um “sinal para os infiéis” (cf. 1 Coríntios 14. 21,22) e o
Batismo no Espírito Santo é um revestimento de poder para testemunhar
àqueles que não se converteram (Atos 1.8, 2. 1-47). Não é à toa que a
língua sempre está presente no Batismo do Espírito Santo (cf. Atos
2.1-13; 8.4-25; 9.24-48; 19.1-6). Portanto, é possível concluir que, excetuando o falar em línguas, os demais dons em nada dependem do Batismo no Espírito Santo.
Referências Bibliográficas:
[1] PALMA, Anthony D. Os dons e o fruto do Espírito. Em: Mensageiro da Paz. Rio de Janeiro: CPAD. Ano 77, n. 1465, Julho de 2007, p. 18.
[2] MENZIES, William W. e MENZIES, Robert P. No Poder do Espírito: Fundamentos da Experiência Pentecostal: um chamado ao diálogo. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2002. p 237- 249.
[3] Essa diferenciação entre línguas como sinal e dom é
mais uma doutrina assembleiana do que pentecostal. Muitos pentecostais,
incluindo o reverendo William Seymour, não colocavam (ou atualmente
colocam) as línguas como o sinal definitivo do Batismo no Espírito
Santo. Logo, não fazem diferenciação entre sinal ou dom.
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