IV
Propus-me aduzir, em último lugar, umas poucas inferências, que naturalmente decorrem das precedentes
observações.
1. E, primeiro, observe-se que o batismo não é o novo nascimento: eles não são uma e a mesma coisa. Muitos, em verdade, parece imaginarem que são justamente a mesma coisa; pelo menos falam como se pensassem assim; mas não me consta que essa opinião seja abertamente sustentada por qualquer denominação cristã. Certamente que não o é por nenhuma dentro destes reinos, seja da igreja estabelecida ou dos dissidentes desta. A opinião dos últimos vem claramente exposta em seu Catecismo Maior : “P. Quais são as partes de um sacramento? R. As partes de um sacramento são duas: uma consiste no sinal externo e sensível; a outra na graça interior e espiritual, por aquele sinal simbolizada. – P. Que é o batismo? R. O batismo é um sacramento, no qual Cristo ordenou a lavagem com água como sinal e selo da regeneração por seu Espírito.” Ai é manifesto que o batismo, osinal, é mencionado como ato distinto da regeneração, que é a coisa significada. No catecismo de nossa igreja se declara, igualmente, a opinião desta com a maior clareza: “P. Que queres dizer pela palavra sacramento? R. Quero dizer um sinal exterior e visível de uma graça interior e espiritual. – P. Qual é a parte exterior ou;” forma no batismo? R. A água, com a qual a pessoa é batizada em nome do Pai, Filho e Espírito Santo. – P. Qual é a parte interior, ou a coisa significada? R. A morte ao pecado e o novo nascimento para a justiça.” Nada, portanto, é mais claro do que, segundo a igreja da Inglaterra, não ser o batismo o novo nascimento.
Mas, na realidade, a razão do que se afirma é tão clara e evidente, que não necessita do abono de nenhuma outra autoridade. Porque, que pode haver de mais óbvio, do que ser um a obra exterior e outro a obra interna; que um é visível e o outro invisível e, portanto, inteiramente diferentes entre si? – um sendo ato do homem, purificando o corpo; o outro uma mu-dança operada por Deus na alma, de modo que a primeira é tão distinguível da segunda como a alma do corpo ou a água do Espírito Santo.
2. Das reflexões precedentes podemos, em segundo lugar, observar que o novo nascimento não é o mesmo que o batismo, de modo que nem sempre acompanha o batismo: eles não vão necessariamente juntos. Um homem pode possivelmente ser “nascido da água” e contudo não ser “nascido do Espírito”. Pode haver algumas vezes o sinal exterior onde não exista a graça interior. Não falo agora acerca das crianças: é certo que nossa igreja supõe que todos os que são batizados na infância são ao mesmo tempo nascidos de novo: e admite-se que o ritual do batismo de crianças procede daquela suposição. Nem constitui objeção de peso o fato de não podermos compreender como se opera essa obra nas crianças, porque nem podemos compreender como se opera tal obra numa pessoa de idademais madura. Mas, qualquer que seja o caso em referência às crianças, é certo que todos os que são batizados em idade adulta não são ao mesmo tempo nascidos de novo. “A árvore é conhecida por seus frutos.” E destes resulta
demasiadamente claro para ser negado que vários dos que eram filhos do diabo antes que fossem batizados, continuaram na mesma condição depois do batismo; “porque fazem as obras de seu pai”: continuam como servos do pecado, sem qualquer pretensão à santidade, seja interior ou exterior.
3. Uma terceira inferência que podemos tirar do que já se observou, é que o novo nascimento não é a mesma coisa que a santificação. Isto é na verdade, tido como certo por muitos; principalmente por um eminente escritor, em seu recente tratado sobre “A Natureza e os Fundamentos da Regeneração Cristã”. Pondo de parte várias outras objeções de peso que se poderiam fazer àquele tratado, esta é palpável: O tratado, através de todas as suas páginas, fala .da regeneração como de uma obra progressiva, realizada na alma a passos vagarosos, a partir da época em que primeiro nos voltamos para Deus. Isto é inegavelmente verdadeiro quanto à santificação, mas não é verdade quanto à regeneração, ao novo nascimento. Esta é uma parte da santificação, não toda ela; é uma porta para ela, uma entrada para ela. Quando nascemos de novo, então nossa santificação, nossa santidade interior e exterior, começa; e daí por diante gradualmente “crescemos naquele que é nosso Cabeça”, Esta expressão do apóstolo admiravelmente ilustra a diferença que há entre uma e outra, e ainda aponta a exata analogia existente entre as coisas naturais eas coisas espirituais. A criança nasce num momento, ou pelo menos em muito curto espaço de tempo: ela depois gradual e vagarosamente cresce, até atingir à estatura de um homem. De modo semelhante um filho nasce de Deus num curto tempo, senão num momento. Mas é por degraus vagarosos que ele depois cresce à medida da perfeita estatura de Cristo. A mesma relação, portanto, que há entre nosso nascimento natural e nosso crescimento, há também entre nosso novo nascimento e nossa santificação.
4. Mais um ponto podemos aprender das observações precedentes, mas é um ponto de tão grande importância, que torna perdoável sua mais cuidadosa e mais extensa consideração. Que deve alguém que ama as almas e sente-se compungido ante o fato de que pereça alguma delas, dizer a quem ele veja quebrando o domingo, ou em embriaguez, ou em qualquer outro pecado voluntário? Que pode ele quiser, se as precedentes observações forem verdadeiras, senão isto: “Deves nascer de novo”? “Não” – diz o homem zeloso – “isto não pode ser; como podes falar assim, descaridosamente, ao homem? Não já foi ele batizado? Não pode agora nascer outra vez!” Não pode ele, nascer outra vez? Afirmas isto? Então ele não pode ser salvo. Embora seja tão velho quanto o era Nicodemos, “se não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. Portanto, dizendo tu: “Ele não pode nascer de novo”, tu de fato o entregas à perdição. E onde agora está a falta de caridade? De meu lado ou do teu? Eu digo: ele precisa nascer outra vez e tornar-se deste modo herdeiro da salvação. Tu dizes: “Ele não pode nascer de novo”: e, se assim for, deve inevitavelmente perecer! Assim obstruis inteiramente seu caminho rumo à salvação, e o envias ao inferno
por simples caridade! Mas talvez o próprio pecador, a quem, por verdadeira caridade, dizemos: “Tens necessidade de nascer de novo”, tenha sido industriado a replicar: “Desafio vossa nova doutrina; não pre-ciso nascer de novo: nasci outra vez quando fui batizado. Pretenderíeis então negar meu batismo?” Respondo, primeiro, que nada há debaixo do céu que possa desculpar a mentira; se assim não fosse: eu diria a um tão ostensivo pecador: “Se foste batizado, não o proclames. Porque, quão profundamente isto te agrava a culpa! Como te aumentará a condenação! Foste dedicado a Deus ao oitavo dia de vida, e passaste todos esses anos a dedicar-te ao diabo? Foste, antes mesmo que tivesses uso da razão, consagrado a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo – e desde que alcançaste o uso da razão fugiste
da face de Deus e te consagraste a Satanás? A abominação da desolação – o amor do mundo, o orgulho, a ira, a cobiça, os desejos insensatos e todo o cortejo de afeições vis – não está onde não deveria estar? Entronizaste todas essas coisas malditas naquela alma que uma vez foi templo do Espírito Santo, separada para ser “habitação de Deus através do Espírito Santo”; sim, dada solenemente a Ele? E ajuda te glorias nisto, no fato de teres uma vez pertencido a Deus? Oh! Envergonha-te! Cora-te! Esconde-te no centro da terra! Nunca mais te gabes daquilo que devia encher-te de confusão, que devia envergonhar-te diante de Deus e diante dos homens!” Respondo, em segundo lugar: Tu já negaste teu batismo, e isto da maneira mais completa. Negaste-o mil e mil vezes, e ainda o fazes dia após dia. Porque no ato de teu batismo renunciaste ao diabo e a todas as suas obras. Toda vez, pois, que outra vez dás lugar a ele, toda vez que praticas alguma obra .do diabo, estás negando teu batismo. Deste modo tu o negas através de cada pecado voluntário, de cada ato de impurezas, bebedice ou vingança; de cada palavra obscena ou profana; de cada juramento que saia de teus lábios. Toda vez que profanas o dia do Senhor, negas teu batismo; sim, tu o negas toda vez que fazes a outrem aquilo que não quererias que te fizessem. Respondo, em terceiro lugar:
sejas batizado Ou não, “precisas nascer de novo”; de outro modo não é possível que sejas interiormente santo, e sem santidade interna e externa não podes ser feliz, nem neste mundo e menos ainda no mundo vindouro. Dizes: . “Pois não; mas eu não faço mal a ninguém; sou honesto e justo em todo: os meus atos: não praguejo e não tomo o nome do Senhor em vão; não calunio a meu próximo nem vivo em qualquer pecado voluntário!” Se assim é, mui para desejar é que todos os homens cheguem até onde chegaste. Mas deves ir ainda mais longe, ou não serás salvo: ainda “te é necessário nascer de novo”. Acrescentas: “Vou ainda mais longe: porque não somente não faço mal, mas faço todo bem que posso”. Duvido disso: temo que tenhas tido um milhar de oportunidades de fazer o bem e tenhas passado por elas sem as aproveitar, sendo, por esta causa, responsável diante de Deus. Mas, se tens aproveitado todas elas, se realmente tens feito todo o bem que terias possibilidade de fazer a todos os homens, ainda isto de modo algum altera o caso: ainda “te é necessário nascer de novo”. Sem isto coisa alguma fará qualquer benefício à tua pobre alma poluída e pecaminosa. “Não, mas eu constantemente cumpro as ordenanças de Deus: apego-me à minha igreja e ao sacramento.” Boa coisa fazes, mas tudo isso não te livrará do inferno, a não ser que sejas nascido de novo. Ir à igreja duas vezes por dia; ir à mesa do Senhor todas as semanas; fazer sempre
muita oração em particular; ouvir sempre sermões muitobons; ler muitoslivros devotos... ainda “te é necessário nascer de novo”. Nenhuma daquelas coisas substituirá o novo nascimento; não, coisa alguma há debaixo do céu. Seja, pois, esta tua contínua oração, se já não experimentaste aquela graça interior de Deus: “Senhor, adiciona esta a todas as tuas bênçãos: permite-me nascer de novo! Nega-me tudo quanto for de teu agrado negar-me, mas não me negues isto: permite-me ser nascido de cima! Retira-me o que quer que te pareça bem retirar-me – reputação, fortuna, amigos, saúde – e dá-me somente isto: ser nascido do Espírito, ser contado entre os filhos de Deus! Permite-me nascer, não de semente corruptível, mas incorruptível, pela palavra de Deus, que vive e permanece para sempre; e então deixa-me diariamente crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo!”
Cinco Votos para Obter Poder Espiritual.
Primeiro - Trate Seriamente com o Pecado. Segundo - Não Seja Dono de Coisa Alguma. Terceiro - Nunca se Defenda. Quarto - Nunca Passe Adiante Algo que Prejudique Alguém. Quinto - Nunca Aceite Qualquer Glória. A.W. Tozer
sexta-feira, 24 de junho de 2011
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