Quando
Saulo tornou-se Paulo, uma voz divina anunciou: “Vou lhe mostrar como
você poderá gozar muito melhor a sua vida!” Será que é o que realmente
está escrito na Bíblia? Pelo contrário, lemos: “Eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome” (At 9.16).Foi o que Deus disse a Ananias acerca de Paulo. Portanto, foi quase o oposto do que muitos entendem hoje por vida cristã.
Prazer e sofrimento
O
Novo Testamento está permeado pelo tom do sofrimento, e é justamente
isso que não agrada à nossa velha natureza, que adora cuidar bem de sua
carne e de gozar a vida. Paulo e Barnabé, por exemplo, exortaram os
discípulos “a permanecer firmes na fé; e mostrando que, através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus” (At 14.22).
Paulo, o apóstolo dos gentios, lembra a Timóteo, seu discípulo mais fiel, que “todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (2 Tm 3.12).
Isso
não soa como uma vida de prazeres e de riqueza abundante, como tanto se
apregoa hoje em dia. Temos inclusive uma carta inteira no Novo
Testamento que se ocupa com o tema do sofrimento: a Primeira Epístola de
Pedro. Ele explica que a fé é provada e aprovada através do sofrimento
(1 Pe 1.6-7). Portanto, em completa oposição à sociedade caracterizada
pelo entretenimento e ao cristianismo que confunde discipulado com
diversão e festa. Aos crentes da Ásia Menor, Cristo é apresentado como
exemplo naquilo que sofreu, para que sigamos os Seus passos (1 Pe 2.21).
Será que não acabamos literalmente criando um outro evangelho, um evangelho de bem-estar, que afaga o ego e o velho Adão?
Jesus e o sofrimento
A Carta aos Hebreus menciona, inclusive, que nosso Senhor, “embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu” (Hb 5.8). Se isso foi válido para o Filho de Deus, quanto mais vale para nós! O servo, como se sabe, não está acima de seu Mestre.
Pedro diz ainda mais: “Ora,
tendo Cristo sofrido na carne, armai-vos também vós do mesmo
pensamento; pois aquele que sofreu na carne deixou o pecado, para que,
no tempo que vos resta na carne, já não vivais de acordo com as paixões
dos homens, mas segundo a vontade de Deus” (1 Pe 4.1-2).
Tema recorrente
Sofrimento e não prazer ou bênçãos materiais é o tema recorrente nas cartas dos apóstolos. Paulo chega a dizer: “Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele” (Fp 1.29). De forma semelhante, Pedro admoesta em sua carta:“Amados,
não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós, destinado a
provar-vos, como se alguma coisa extraordinária vos estivesse
acontecendo; pelo contrário, alegrai-vos na medida em que sois
co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também, na
revelação de sua glória, vos alegreis exultando” (1 Pe 4.12-13).
A fé é provada e aprovada através do sofrimento.
Será
que isso ainda é proclamado em nossa sociedade de consumo, que já chega
a “celebrar” o discipulado e a vida cristã? Será que frases tão
negativas não deveriam ser sumariamente riscadas da Bíblia? Não acabamos
literalmente criando um outro evangelho, um evangelho de bem-estar, que
afaga o ego e o velho Adão?
Sem rodeios
Aos coríntios, que igualmente estavam em perigo de exercer poder e “domínio”, Paulo escreve sem rodeios: “Já
estais fartos, já estais ricos; chegastes a reinar sem nós; sim, tomara
reinásseis para que também nós viéssemos a reinar convosco. Porque a
mim me parece que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, em último lugar,
como se fôssemos condenados à morte; porque nos tornamos espetáculo ao
mundo, tanto a anjos, como a homens. Nós somos loucos por causa de
Cristo, e vós, sábios em Cristo; nós, fracos, e vós, fortes; vós,
nobres, e nós, desprezíveis. Até à presente hora, sofremos fome, e sede,
e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos
afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos
injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; quando
caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser
considerados lixo do mundo, escória de todos” (1 Co 4.8-13).
Isso
soa como prazer, sucesso, conforto e prosperidade? É quase o oposto de
tudo aquilo que hoje nos é apresentado simuladamente pelos “evangelistas
da prosperidade” como se fosse o Evangelho de Cristo.
Negativo e derrotista?
Para
que minhas palavras não sejam interpretadas como uma defesa do
sofrimento e uma declaração de derrotismo cristão, devo mencionar que
Deus deseja que “vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito” (1 Tm 2.2). Na mesma Carta a Timóteo está escrito: “Exorta
aos ricos do presente século que não sejam orgulhosos, nem depositem a
sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em Deus, que tudo nos
proporciona ricamente para nosso aprazimento” (1 Tm 6.17).
O
Senhor nos promete, sim, uma vida abundante (Jo 10.10), porque para os
cristãos as questões primárias da culpa e do sentido da vida já estão
resolvidas.
Somos
gratos por toda a paz e pelo bem-estar que a graça de Deus tem nos
concedido no mundo ocidental por um tempo admiravelmente longo. Mas
fazer dessa realidade um evangelho é, brandamente falando, contradizer o
espírito do Novo Testamento. O Senhor nos promete, sim, uma vida
abundante (Jo 10.10), porque para os cristãos as questões primárias da
culpa e do sentido da vida já estão resolvidas. Em obediência a Deus, o
discípulo de Jesus pode ter, sim, muita alegria, alegria plena (1 Jo
1.4). Mas essa alegria é em primeiro lugar espiritual e não está,
necessariamente, refletida no nível material.
Movido pela alegria
Quando
Paulo ditou sua carta “movida pela alegria” aos filipenses exortando os
crentes a “alegrar-se sempre” (Fp 4.4), ele próprio encontrava-se
algemado na prisão.
Discutindo com os super-apóstolos
Em suas discussões com pregadores “poderosos” e triunfalistas, que Paulo chama ironicamente de “sábios”, “fortes”, “nobres” (1 Co 4.10), ele
se gloria de sua própria fraqueza (2 Co 12.9), especialmente porque
esses falsos mestres se vangloriavam de seu grande poder e de sua
própria autoridade. Eles também passavam a idéia de que apenas através
deles o mundo daquela época fora alcançado com um evangelho “poderoso” e
“pleno” (2 Co 10.12-16). Paulo contrapõe a esses falsos apóstolos e
obreiros fraudulentos, como também os chama, a extensa lista de seus
próprios sofrimentos (2 Co 11.22-23), provando que ele era um apóstolo
legítimo.
Isso
ainda é pregado atualmente? Isso ainda é proclamado nos programas
cristãos de televisão? Os apóstolos residiam em belas casas e lá ditavam
suas cartas? A visão mais profunda dos mistérios do tempo da graça é
fornecida por Paulo nas cartas aos efésios e aos colossenses, que ele
escreveu quando se encontrava encarcerado. Em seu discurso de despedida
em Mileto ele disse: “o Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura que me esperam cadeias e tribulações” (At 20.23). Isso não soa como a expectativa por eventos especialmente prazerosos.
Vida de prazeres?
Humildade,
lágrimas, provações, ciladas, cadeias e tribulações, de fato, uma vida
“de prazeres”! Mesmo quando Paulo suplicou por uma vida física mais ou
menos normal, sem o espinho na carne, seu pedido não foi atendido. Será
que ele não deveria ter enfrentado essa limitação física com
visualização ou pensamento positivo? Esse homem de Deus podia dizer de
si mesmo: “...pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo” (2 Co 6.10). Devemos
temer, com justiça, que muitos dos pregadores de sucesso de nossos dias
literalmente invertem a ordem das coisas: “ricos, mas empobrecendo a
muitos”.
Todo
esse evangelho da prosperidade e do bem-estar é um cumprimento de 2
Timóteo 4.3, onde está escrito que os homens dos últimos dias cortejarão
mestres por cujas palavras sentem coceira nos ouvidos, mestres que os
agradem. Muitos gostariam de ouvir que Deus quer nos fazer grandes,
ricos, saudáveis e poderosos. Essa era a mensagem dos amigos de Jó, que não conseguiam entender que Jó enfrentava tanto sofrimento por se encontrar dentro da vontade de Deus.
Paulo
explicou: que os “crentes” dos últimos dias não apenas serão “amantes
de si mesmos” (2 Tm 3.2, Ed. Revista e Corrigida) mas “mais amigos dos
prazeres (tradução literal da palavra grega “philedonos”) que amigos de
Deus” (2 Tm 3.4).
Uma geração hedonista
Esta é a mensagem para uma geração hedonista, como Paulo explicou: que os “crentes” dos últimos dias não apenas serão “amantes de si mesmos” (2 Tm 3.2, Ed. Revista e Corrigida) mas “mais amigos dos prazeres (tradução literal da palavra grega “philedonos”) que amigos de Deus” (2 Tm 3.4).
Será que Jesus também ofereceu uma falsa fé? Ele disse à igreja de Esmirna:“Não
temas as coisas que tens de sofrer. Eis que o Diabo está para lançar em
prisão alguns dentre vós, para serdes postos à prova, e tereis
tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da
vida” (Ap 2.10).
O oposto do triunfalismo
Isso
é totalmente oposto ao atual triunfalismo do evangelho da prosperidade.
É monstruoso o que é tolerado e propagado na cristandade contemporânea.
Esta geração ocidental literalmente criou um evangelho resumido e
derivado de seu hedonismo, de sua amoldagem ao espírito da época, de sua
loucura por saúde, bem-estar e entretenimento, de seu desejo por
prazeres carnais e de sua auto-estima.
Pobre, miserável, cego e nu
Talvez
a melhor caracterização da situação espiritual desses pregadores e
adeptos do evangelho da prosperidade e do bem-estar seja a declaração de
Jesus Cristo a uma igreja próspera e abastada, mal acostumada ao
sucesso, a igreja de Laodicéia: “pois dizes: Estou rico e abastado e
não preciso de coisa alguma, e nem sabes que tu és infeliz, sim,
miserável, pobre, cego e nu” (Ap 3.17). (Alexander Seibel - http://www.chamada.com.br)
Nenhum comentário:
Postar um comentário