Guilhermino Filho Prado em depoimento na CPI do Narcotráfico |
Johnny Bernardo
No mês em que a Igreja Pentecostal Deus é Amor completa cinquenta anos (foi fundada no dia 03 de junho de 1962) e novas suspeitas de que traficantes de drogas e armas atuam por trás de denominações evangélicas veem à tona.
A prisão de um pastor do Rio Grande do Norte e mais três homens por tráfico de drogas em Fortaleza, no último dia 18 de junho, e a denúncia (feita por um ex-bispo da Igreja Universal do Reino de Deus) de que Edir Macedo teria comprado a Rede Record de Televisão com dinheiro oriundo do cartel de Cali, são apenas dois de inúmeros casos envolvendo igrejas e lideres evangélicos. Em meio a um turbilhão de denúncias e prisões, a sociedade e os meios de comunicação se debruçam para entender até que ponto o narcotráfico possui influência nas organizações religiosas. A aproximação entre traficantes e igrejas evangélicas nos morros do Rio de Janeiro seria uma das causas do envolvimento de pastores com o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro? Haveria algum tipo de coação? No caso de coação, qual seria o nível de culpabilidade? O questionamento é amplo, bem como as respostas a ele dadas. O que se tem de concreto – por parte das autoridades competentes – é que a isenção da declaração de imposto de renda e a constante movimentação de dólares pelo exterior faz de igrejas alvo de quadrilhas especializadas em lavagem de dinheiro.
Record comprada com auxílio de cartel de drogas |
Embora esporadicamente, casos de prisão de pastores por envolvimento direto com o narcotráfico indicam que a participação de determinadas igrejas vai além da simples lavagem de dinheiro? Seria o caso da Igreja Deus é Amor? Em depoimento à Polícia Federal, Guilherme Filho Prado (que por 18 anos trabalhou como contador na IPDA) revelou que a cúpula e lideranças regionais da Deus é Amor teriam envolvimento com o narcotráfico, e cita o traficante Fernandinho Beira-Mar como um dos beneficiados. Ainda de acordo com as denúncias – feitas em 2000 e investigadas pela Superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro e acompanhadas pela deputada federal Laura Carneiro (à época do PFL – RJ) -, membros de uma filial da IPDA transportavam drogas, armas e dinheiro para a Vila Beira-Mar. Em setembro de 2010, um pastor de uma congregação da IPDA de Ribeirão Cascalheira, a 893 km de Cuibá (MT) foi preso em fragrante pela Polícia Civil embalando drogas dentro da própria igreja. Dois meses depois, outro pastor foi preso em São Bernardo do Campo (SP) em um laboratório de drogas instalado em cima de uma igreja.
Marcos Pereira é outro pastor acusado de envolvimento com o tráfico |
Apesar de declarações do advogado da IPDA – de que o ex-contador teria tentado extorquir a igreja – e de que nenhuma condenação teria sido imposta à cúpula, o testemunho de Guilherme Filho Prado serviu de base para uma operação de busca e apreensão na casa de David Miranda (fundador da Igreja Deus é Amor), em setembro de 2000, e outras investigações promovidas pela PF de Foz do Iguaçu, São Paulo e Rio de Janeiro, além de CPIs do Narcotráfico de São Paulo e Brasília. A suspeita é de que a Andy Viagens e Turismo, com escritório na Vila Mariana (SP) e de propriedade da Igreja Deus é Amor, serviria de base para operações de lavagem de dinheiro. De acordo com investigações realizadas pela Polícia Federal, somente entre 1992 e 1996 – portanto, anterior às denúncias de Guilherme Prado – cerca de 37 bilhões de reais teriam deixado o Brasil através de Foz do Iguaçu e tinham como destino contas do fundador da Igreja Deus é Amor. Indiciado por evasão de divisas e lavagem de dinheiro, David Miranda compareceu a Superintendência da Polícia Federal de São Paulo na tarde de 16 de maio de 2000 para prestar esclarecimentos sobre o envio de remessas de dólares para contas associadas à CC-5. Conquanto nenhuma acusação contra David Miranda e a nenhum outro membro da cúpula da IPDA tenha progredido nos tribunais, a centralização do poder nas mãos da família Miranda, a ligação com a agência Andy Viagens e Turismo (como pode ser comprovada com base em dados de um ex-funcionário da IPDA – disponível em um site de cadastro de currículos) e o extremo controle dos membros e patrimônio da igreja, seriam, pelo menos internamente, indícios de “manipulação”? Há quem suspeite das reais intenções da IPDA. De acordo com Sidnei Moura (que foi membro da IPDA por 15 anos), “usos e costumes são uma das muitas formas de manipulação e controle”.
Pastores da Mundial presos com fuzis M15 no Mato Grosso |
A IPDA também é conhecida por alguns processos movidos contra meios de comunicação, como no caso de uma ação movida contra a Rede Bandeirantes de Televisão da qual a emissora e o repórter acabaram absolvidos - na reportagem, produzida pelo jornalista Sandro Barbosa de Araújo, o ex-contador da IPDA oferece detalhes do suposto “envolvimento” de lideres da igreja com o narcotráfico e lavagem de dinheiro. Em outro processo movido contra o programa do Ratinho e SBT - aberto após declarações de Raquel Borges Miranda, nas quais acusa seu ex-marido, Daniel Oliveira Miranda, de viver luxuosamente e ser usuário de drogas – a IPDA saiu vitoriosa. Apesar da condenação ao programa e ao canal de televisão, parte das declarações da ex-mulher do filho de David Miranda foi confirmada pelo deputado estadual Renato Simões (PT), à época relator da CPI do Narcotráfico na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP). Segundo o relator, Daniel Oliveira Miranda tem duas passagens pela polícia por porte de entorpecentes, embora deixe claro que “de maneira alguma isso significa que ele seja traficante”.
Dúvidas
Até que ponto o relato de Guilherme Filho Prado pode ser considerado confiável? Sidnei Moura lembra que por ocasião de uma sabatina na ALESP, na qual Prado foi convidado como testemunha chave, após entrar em contradição em diversas declarações que haviam sido dadas a imprensa, um dos parlamentares o questionou sobre possíveis provas. Em resposta, o ex-contador afirmou que teve acesso a várias remessas ilegais de dinheiro, mas que a única coisa que podia afirmar sobre o envolvimento de traficantes foi ter visto os filhos de David Miranda recebendo tais traficantes na sede mundial. Na ocasião, a IPDA fez uma gravação de trechos da sessão onde Guilhermino Filho Prado é confrontado e que passou a ser transmitida em meios de comunicação ligados a IPDA. "Lembro-me que era obrigado veicular a gravação mesmo em programas de horários alugados em rádios, e nesses programas a ordem era rodar de meia em meia hora, como também nos cultos da igreja sede - houve até cultos especialmente convocados apenas para se ouvir tal gravação”, declara Moura.
Ainda de acordo com Sidnei Moura, o que lhe pareceu estranho foi que antes de ir à ALESP, o ex-contador fez um verdadeiro alarde em diversas emissoras de rádio e televisão, e na última aparição na TV disse ter provas irrefutáveis da participação da IPDA nesse tipo de delito, e que apresentaria documentos que comprovavam tal esquema. “Depois de falar secretamente com membros da comissão foi a público sem uma única prova concreta sobre a denúncia – de envolvimento da IPDA com o narcotráfico”, revela Moura. O que ocorreu entre a última declaração de Prado, na TV, e a sabatina na ALESP? Não se sabe ao certo até que ponto o ex-contador teria “mentido” ou “ocultado” provas, e até onde possuía informações, mas seus depoimentos na TV Bandeirantes, e, principalmente, na Polícia Federal, foram claros no sentido de que a Igreja Deus é Amor teria algum tipo de envolvimento com esquemas ligados ao tráfico de drogas. A dúvida é de que maneira e por meio de qual elo frágil narcotraficantes teriam se infiltrado. Sidnei Moura parece nos indicar um caminho. “O caso Guilhermino não foi o único a levantar dúvidas sobre o tema - os dois filhos de David Miranda são conhecidos por terem uma relação instável na igreja, saem e voltam com frequência, e quando saem envolvem-se com traficantes. Porem, a força do sistema é extremamente cuidadosa para não expor suas fragilidades - daí a incerteza sobre todas essas acusações”, conclui Moura.
Sobre a maneira como a instituição lidava com as denúncias, Moura ressalta que o “caso acabou sendo proibido de ser falado na igreja e membros chegaram a ser disciplinados por terem acesso a tais reportagens ou por insistirem no assunto.” Em uma circular despachada recentemente pela sede mundial da Igreja Deus é Amor, obreiros e demais membros são expressamente proibidos de manterem qualquer tipo de contato com ex-membros da IPDA – particularmente obreiros e pessoas de destaque na instituição. Qual seria a razão da proibição e sob qual base jurídica a decisão foi aprovada? Procurada, a IPDA não quis se manifestar sobre a polêmica. Algo semelhante acontece em outras religiões, como no caso das Testemunhas de Jeová e na Congregação Cristã no Brasil. Pelo menos nestes exemplos, proibições são impostas aos adeptos com o intuito de mantê-los a salvo de más influências externas, e, ao mesmo tempo, sob seu domínio. O extremo centralismo administrativo na IPDA e as constantes disciplinas (e até mesmo processos judiciais) impostas a membros é algo no mínimo preocupante.
Um problema generalizado
A IPDA não é a única a sofrer com acusações de lavagem de dinheiro e associação com o narcotráfico. No dia 11 de março de 2010 a Igreja Mundial do Poder de Deus teve seu nome estampado nos principais jornais após a prisão de três de seus pastores acusados de tráfico de armas. Detidos em Miranda, Mato Grosso do Sul, com os pastores teriam sido encontrados sete fuzis modelo M15 de uso exclusivo do exército. Em depoimento, os religiosos declararam que as armas seriam levadas para Niterói e depois entregues a traficantes de morros do Rio de Janeiro. A Igreja Universal do Reino de Deus também seria alvo de acusações, sendo uma das primeiras direcionadas por Caio Fábio, que, em um vídeo distribuído a partir do YouTube, declara que pessoas próximas a Edir Macedo teriam viajado para Cali, na Colômbia, de onde teriam trazido recursos para a fundação da IURD. Três anos depois, Carlos Magno de Miranda – um ex-bispo da Igreja Universal e que por dez anos esteve ao lado do fundador – declarou, em entrevista ao blogueiro Vini Silva, que a Rede Record de Televisão teria sido comprada com verbas oriundas do narcotráfico.
A crise também teria atingido, recentemente, um dos mais destacados pastores do Rio de Janeiro. Líder da Igreja Assembleia de Deus dos Últimos Dias, Marcos Pereira – conhecido por seu trabalho na recuperação de drogados e traficantes -, virou alvo de inquérito policial após denúncias do líder do AfroReggae, José Júnior. Segundo o denunciante, o líder da IADUD teria sido um dos principais mentores dos ataques no Rio, em 2006, logo após a eleição de Sérgio Cabral para governador do estado. José Júnior, que entre 2006 e 2007 trabalhou ao lado de Marcos Pereira, também deu detalhes da participação do pastor com o narcotráfico, de possíveis abusos sexuais cometidos contra crianças e mulheres, de encenações de curas e de seu temor de que poderia ser assassinado. Em nota, a IADUD classificou como levianas as acusações e lamentou pelo fato de que o assunto tenha sido levado ao conhecimento público.
Johnny Bernardo é jornalista, pesquisador da
religiosidade brasileira e colaborador do Genizah
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