Um
idoso pastor se encontrava gravemente enfermo na cama e sofria
terríveis dores. Um jovem obreiro que o visitava desejou consolá-lo.
Cheio das melhores intenções, falou: "Deus disciplina a quem ama!" Ao
que o velho homem retrucou, cheio de dores: "Sim, mas agora, neste
instante, eu desejaria que Deus amasse outra pessoa!"
Muitas
vezes usamos frases feitas ou procuramos explicações para o sofrimento
do próximo mas não chegamos ao fundo da questão. Sobre o sofrimento do
Filho de Deus está escrito: "Por isso foi que também Jesus, para santificar o povo, pelo seu próprio sangue, sofreu fora da porta" (Hb 13.12).
O inexplicável
sofrimento dos justos
sofrimento dos justos
O
sofrimento de um justo não pode ser explicado, mas muitas e muitas
vezes sua razão de ser foi interpretada de maneira incorreta. Muitos
cristãos que estão sofrendo se preocupam demais em achar a "causa" de
sua angústia e se esgotam de tanto questionar. Minha doença é castigo
pelo meu pecado? Ou será que Deus quer me disciplinar, educar,
purificar, transformar através do sofrimento, me preparar para Seu Reino
e Sua glória? – É claro que existem castigos mandados por Deus, mas nem
de longe todo o sofrimento físico ou emocional, toda derrota, fome ou
tormento podem ser explicados dessa maneira. Quem recebeu a Jesus Cristo
em sua vida por meio da fé não sofre por causa da ira de Deus ou por
castigo, mas o sofrimento é uma provação e é igualmente um meio
pedagógico que o Senhor usa na vida dos crentes (Hb 12.1-11; Rm
8.31-39). Mas não são raras as vezes em que o agir de Deus e a Sua
direção em nossas vidas continuará sendo um mistério para nós,
principalmente quando Ele manda sofrimento e tristeza.
Não
queremos deixar passar despercebido o fato de que nem todo o sofrimento
tem a amável correção do Senhor como alvo final. Existem sofrimentos
que nascem do ódio satânico, e se os mesmos nos alcançam foi porque o
Senhor o permitiu. Os sofrimentos de Jó, por exemplo, não vieram de
Deus. Também não havia motivo para correção na vida desse homem, pois Jó
vivia completamente dentro do que agradava ao Senhor e era
irrepreensível, o que foi confirmado pelo próprio Senhor. Seus
sofrimentos eram provocados pelo maligno (comp. Jó 1.1,6-19).
Os Salmos e Provérbios também falam do sofrimento do justo: "Muitas são as aflições do justo!" (Sl 34.19a; comp. também Pv 11.31). A
Bíblia nos exorta a não considerarmos todo e qualquer sofrimento dos
justos como conseqüência automática de culpa e pecado em suas vidas,
pois com isso estaríamos condenando a maneira justa de viver dos retos
de coração. Asafe orou: "Com efeito, inutilmente conservei puro o
coração e lavei as mãos na inocência. Pois de contínuo sou afligido, e
cada manhã castigado. Se eu pensara em falar tais palavras, já aí teria
traído a geração de teus filhos" (Sl 73.13-15). Também no Salmo 44
encontramos uma das muitas indicações da Palavra de Deus de que
sofrimento nem sempre tem sua origem em pecado ou culpa diante de Deus e
nem sempre é castigo por erros cometidos: "Tudo isso nos sobreveio,
entretanto não nos esquecemos de ti, nem fomos infiéis à tua aliança.
Não tornou atrás o nosso coração, nem se desviaram os nossos passos dos
teus caminhos... Se tivéssemos esquecido o nome do nosso Deus ou
tivéssemos estendido as mãos a deus estranho, porventura não o teria
atinado Deus, ele que conhece os segredos dos corações? Mas, por amor a
ti, somos entregues à morte continuamente, somos considerados como
ovelhas para o matadouro" (vv. 17-18, 20-22). Mas todo esse sofrimento estava sob a permissão de Deus: "...para
nos esmagares onde vivem os chacais, e nos envolveres com as sombras da
morte... Pois a nossa alma está abatida até ao pó, e o nosso corpo como
que pegado no chão. Levanta-te para socorrer-nos, e resgata-nos por
amor da tua benignidade (vv. 19,25-26)."
Antes
que eu mencione o testemunho do irmão Lee, da Coréia do Sul,
perguntemo-nos: todos esses sofrimentos foram resultado de pecado na
vida desse irmão? Ele conta:
Eu
tinha 18 anos de idade quando os norte-coreanos invadiram a Coréia do
Sul. Presenciei quando 7.000 cristãos foram mortos, inclusive meu pai e
minha irmã. Durante três dias minha irmã ficou pendurada de cabeça para
baixo em uma corda. No terceiro dia, ela estava quase desacordada. Todos
os dias os comunistas nos levavam para fora para que pudéssemos ver
como eram tratados os cristãos presos. Todos tínhamos sido presos e
interrogados: "Você é cristão?" Naquela época minha irmã tinha 22 anos
de idade. E naquele dia em que fui obrigado a ficar na sua frente, ela
me reconheceu. Sangue já escorria de sua cabeça. Me senti impotente
diante dela, pois estava amarrado. Mas ela cantava num sussuro: "Em
Jesus amigo temos..." e "Mais perto quero estar, meu Deus de Ti..." E
foi dessa maneira que ela morreu, mas sua morte vitoriosa deixou uma
profunda impressão em minha vida. – Uma semana depois meu velho pai de
72 anos foi executado. Ele foi queimado vivo, depois de ter passado fome
por um mês. Jogaram-no em uma cova, cobriram-no com querosene e tocaram
fogo. Antes de perder os sentidos, gritou com suas últimas forças:
"Você tem de acabar o que eu não consegui levar até o fim!" Então
levantou suas mãos e orou: "Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que
fazem!"
Esses
dois acontecimentos deixaram marcas em toda a minha vida futura, marcas
que nunca mais puderam ser apagadas. Não posso descrever os sofrimentos
que tive que passar. Durante um mês inteiro meus carrascos me
espancaram, queimaram e quebraram meus ossos. Quando eles finalmente
acharam que eu estava morto, jogaram-me em um pântano. Fiquei oito dias
inconsciente no meio de cadáveres. Os ratos passavam por cima de nós e o
sofrimento era infernal. Mas nessa hora eu entreguei minha vida ao
Senhor Jesus. Reconheci o que significa na vida de uma pessoa um
relacionamento pessoal com Jesus: no mais profundo sofrimento pode
nascer a alegria da fé!
Os
terríveis sofrimentos e a angústia de sua irmã e de seu pai e seus
próprios sofrimentos contribuíram para que o Dr. Lee chegasse a crer no
Senhor Jesus Cristo – que maravilhoso fruto de sofrimento por amor ao
Senhor!
Será
que você anda encurvado sob o fardo de sofrimentos e pressões do
dia-a-dia que pesa sobre os seus ombros? Você se angustia com problemas e
infortúnio? Você sofre por fracassos, decepções, esperanças frustradas?
Ou você sofre por amor a Cristo? Existe uma cruz pesada sobre sua vida,
cruz que você tem de carregar?
Qual é a causa do sofrimento, se não é o pecado?
Sofrimento por amor a Jesus. Foi
dito ao apóstolo Paulo que ele iria sofrer muito por amor a Jesus (At
9.16). O Senhor o usou de modo extraordinário como instrumento muito
útil, mas os sofrimentos de Paulo foram igualmente extraordinários. Os
profundos sofrimentos por amor a Jesus faziam parte de sua elevada
vocação.
Sofrimentos por amor a Jesus não são motivo de tristeza, mas de alegria: "...
alegrai-vos na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de
Cristo, para que também na revelação de sua glória vos alegreis
exultando" (1 Pe 4.13). E sofrer pelo Evangelho é um tipo de
sofrimento por amor a Jesus (2 Tm 1.8), assim como sofrimentos por
praticar o bem (1 Pe 2.20), sofrimentos por causa da justiça (Mt 5.10) e
os sofrimentos como servos de Deus (2 Co 6.4 ss.).
Sofrimentos por amor aos outros (à Igreja). É isso o que nos relata Colossenses 1.24: "Agora
me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta das
aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo, que é a
igreja." Sofrimentos suportados com paciência por um cristão servem
de exemplo e testemunho para toda a Igreja, pois é nisso que o caráter
de Jesus mais se reflete. E é por isso que as pessoas mais santificadas
têm de sofrer mais, por estarem muito próximas do Senhor e por terem
condições de suportar o sofrimento. Epafrodito, cooperador de Paulo,
ficou gravemente enfermo por causa da obra do Senhor e por servir ao
apóstolo por parte dos filipenses (comp. Fl 2.25-30).
Sofrimentos por testemunhar da fé para a glória do Senhor. Para provar isso quero citar novamente 1 Pedro 4.13: "...alegrai-vos
na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para
que também na revelação de sua glória vos alegreis exultando." O salmista Asafe testemunha em meio ao seu sofrimento: "Todavia,
estou sempre contigo, tu me seguras pela minha mão direita. Tu me guias
com o teu conselho, e depois me recebes na glória. Quem mais tenho eu
no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra. Ainda que a minha
carne e o meu coração desfalecem, Deus é a fortaleza do meu coração e a
minha herança para sempre... Quanto a mim, bom é estar junto a Deus; no
Senhor Deus ponho o meu refúgio, para proclamar todos os seus feitos"(Sl
73.23-26, 28).
Será
que conseguimos imaginar o testemunho glorioso e elogiado que um servo
de Deus que sofre por amor ao Senhor tem diante do mundo invisível dos
anjos, quando se firma no Senhor e espera nEele em meio aos sofrimentos,
e quando consegue dizer "Senhor, apesar de tudo eu quero ficar perto de
Ti"? Como é grandioso e maravilhoso o reflexo desses sofrimentos na
eternidade! Isso é mostrado em Romanos 8.18: "Porque para mim tenho
por certo que os sofrimentos do tempo presente não são para comparar com
a glória por vir a ser revelada em nós."
O que devemos fazer no sofrimento?
Como
é que a nossa alma consegue ficar consolada e quieta em tempos de
angústia? Em tempos de sofrimento ninguém mais consegue ajudar aquele
que sofre a não ser o Senhor. Isso o salmista também sabia, pois orava: "Faze-me justiça, ó Deus, e pleiteia a minha causa... Pois tu és o Deus da minha fortaleza" (Sl 43.1a,2a). Jesus
Cristo sofreu fora da porta – e, nesse sentido, cada um que sofre está
sozinho com seus sofrimentos, sofre "fora da porta" como Jesus. O
salmista também tinha reconhecido isso, e encomendou sua alma juntamente
com toda a sua angústia ao fiel cuidado de Deus. Ele sabia que a ajuda
real, a ajuda que traz resultados não pode vir de pessoas, mas única e
exclusivamente do Deus vivo. E era a Deus que ele queria entregar seu
sofrimento. Ele não foi obrigado a se deixar enlouquecer e inquietar
pelos outros e por seus bons conselhos, mas foi capaz de se entregar
plenamente à vontade divina, e de se sentir abrigado e seguro no Senhor.
Ficamos consolados e tranqüilos quando entregamos nossa angústia ao Senhor, quando nos aquietamos e esperamos nEele.
Dificilmente
o sofrimento pode ser explicado humanamente, ele só pode ser
compreendido de dentro do santuário. Por isso o salmista orou: "Por
que me rejeitas? Por que hei de andar eu lamentando sob a opressão dos
meus inimigos? Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem e me
levem ao teu santo monte, e aos teus tabernáculos. Então irei ao altar
de Deus, de Deus que é a minha grande alegria; ao som da harpa eu te
louvarei, ó Deus, Deus meu. Por que estás abatida, ó minha alma? por que
te perturbas dentro em mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a
ele, meu auxílio e Deus meu" (Sl 43.2b-5). O coração do salmista
estava repleto de porquês. Ele não conseguia entender o porquê de seus
sofrimentos; mas parece que, de repente, ele passou a entender, passou a
não mais precisar de uma resposta para suas muitas perguntas – mas
precisava somente de uma profunda comunhão com seu Deus no santuário
(vv. 3b-4a). Essa foi a solução. Foi dessa maneira que sua alma
conseguiu ficar quieta e consolada e cheia de gratidão para com o Senhor
apesar do sofrimento pelo qual estava passando (vv. 4b-5). Nem sempre
existe uma resposta, mas sempre existe consolo e luz na escuridão de
nossa alma quando nos achegamos ao Senhor, quando entramos no santuário.
E é por isso que filhos de Deus santificados conseguem dizer: "O Senhor
está tão perto de mim!" Para o salmista passou a ser secundário
conhecer ou não a causa de seus sofrimentos. Para ele passou a ser
prioridade saber que era Deus que conduzia sua vida, passou a ser
prioridade andar na luz do Senhor, andar na verdade do Senhor e ser
dirigido pelo Senhor para alcançar seu alvo de vida.
Asafe
estava cheio de dúvidas e questionamentos. Parecia-lhe que o sofrimento
ela algo sem lógica, algo incompreensível e absurdo. Ele não era capaz
de entendê-lo nem explicá-lo: "Em só refletir para compreender isso, achei mui pesada tarefa para mim; até que entrei no santuário de Deus..." (Sl 73.16-17). No
santuário nem sempre recebemos a explicação para o porquê de nossos
sofrimentos, mas em compensação recebemos consolo, recebemos
fortalecimento e uma profunda paz. Até um homem como Elias chegou ao
ponto de se sentir desesperado e questionava o motivo de tanto
sofrimento. Ele não recebeu uma resposta para suas perguntas, mas
recebeu comida e bebida para sua longa jornada em busca de um novo
encontro com o Senhor. João Batista foi tomado de dúvidas quando estava
no cárcere. E ele também não recebeu resposta ao porquê de seus
sofrimentos, dúvida que certamente ocupava sua mente. Mas ele recebeu a
palavra do Senhor: "...bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço" (Mt 11.6).
Agora
me dirijo a você, especialmente a você que tem sofrimento e dor em sua
vida, que passa por angústias e enfermidades – você não quer
simplesmente entrar no santuário para receber ali o consolo que vem de
Deus? Em pouco tempo se cumprirá em sua vida o que o Senhor glorificado
diz no último livro da Bíblia: "E lhes enxugará dos olhos toda
lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem
dor, porque as primeiras cousas passaram. E aquele que está assentado no
trono disse: Eis que faço novas todas as cousas. E acrescentou:
Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras... O vencedor
herdará estas cousas, e eu lhe serei Deus e ele me será filho" (Ap
21.4-5,7).
(Norbert Lieth)
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