Tem sido argumentado que o Brasil é um país místico, cuja grande parte da população tem se envolvido, uma vez ou outra, com o oculto. A quantidade de pessoas envolvidas com espíritos malignos é muito grande, quer através de procura consciente de contato com entidades espirituais, quer através de “inocentes” consultas aos búzios e leitura das linhas das mãos. As implicações de toda esta abertura para o reino das trevas, argumenta-se, é que dificilmente encontraremos nas igrejas pessoas que foram convertidas como adultas, e que não tiveram, ao menos, uma passagem superficial pelo mundo dos espíritos. Tais pessoas estão sujeitas a serem molestadas, oprimidas e mesmo invadidas por estes espíritos, aos quais deram o direito de entrar em suas vidas no passado, se não anularem estes “pactos” que foram feitos com eles, mesmo que inconscientemente.
A pergunta é se o tratamento recomendado nas Escrituras para estas pessoas é a prática de “quebra de maldições”, a anulação de pactos com demônios.
O mundo em que os apóstolos pregaram o Evangelho era infestado pelo ocultismo, e pela idolatria, possivelmente de forma tão intensa quanto o Brasil de hoje. Muitos dos convertidos pelos apóstolos vieram de um passado de ocultismo, artes mágicas e feitiçaria. Entretanto, em nenhum momento os apóstolos consideraram necessário acrescentar ao arrependimento e à fé coisas como quebra de maldições ou anulação de pactos com espíritos.
Um dos locais mais infestados era Éfeso. A cidade era conhecida como um centro de artes mágicas, e pelo culto da deusa Artemis (Diana). Esta deusa da mitologia grega era conhecida como a deusa do submundo, que controlava espíritos da natureza e dos animais selvagens. Sua imagem era coberta com os símbolos do Zodíaco, para lembrar aos adoradores de Éfeso que ela era uma divindade cósmica, com controle sobre os espíritos determinantes do destino.
Quando Paulo ali pregou o Evangelho, muitos efésios converteram-se a Cristo, boa parte dos quais havia se envolvido com artes mágicas, e certamente com o culto a Diana (Atos 19.18-20, 26-27). Como testemunho público de que já haviam sido libertos e resgatados pelo poder do Espírito Santo, vieram a público queimar seus livros de magia negra. Não foi pelo atear fogo naqueles livros que ganharam sua plena libertação. Eles já haviam sido libertados, quando creram (At 19.18).
Mais tarde, quando lhes escreveu a carta que conhecemos como Efésios, o apóstolo Paulo não sentiu nenhuma necessidade de instrui-los a quebrar maldições que fossem resultado de pactos ainda pendentes com o antigo culto aos demônios com que se envolveram no passado
Antes, em sua primeira viagem missionária, Paulo havia levado à Cristo o procônsul Sérgio Paulo, na ilha de Patmos (Atos 13.4-12). Sérgio Paulo havia se envolvido com artes mágicas, pois tinha ao seu lado um judeu mágico, um bruxo, chamado Barjesus. Possivelmente era seu conselheiro espiritual, conforme prática antiga — e bem moderna! — de oficiais e governadores de consultar videntes para tomar resoluções. Após a conversão de Sérgio Paulo, o apóstolo nada lhe recomendou em termos de quebrar os pactos antigos feitos com os espíritos malignos através dos serviços do bruxo.
Um outro exemplo de como os apóstolos tratavam convertidos que vinham do ocultismo é o relato da conversão dos samaritanos em Atos 8. Lemos ali que os samaritanos em pêso seguiam a Simão Mago, um bruxo que praticava artes mágicas, e que era o líder espiritual da cidade, ou da região (Atos 8.9-11). Certamente a maioria dos moradores da cidade já havia, uma vez ou outra, se envolvido com Simão, através de consultas, “trabalhos”, invocação de mortos, e outras práticas ocultas populares daquela época. Quando Felipe ali chegou pregando o Evangelho no poder do Espírito, muitos deles deram-lhe crédito, e foram convertidos a Cristo. Felipe os batizou (Atos 8.12). O próprio bruxo foi batizado (8.13).
Mais tarde, os apóstolos vieram de Jerusalém examinar estes convertidos. Nada acrecentaram ao que Felipe já havia feito, a não ser orar para que os convertidos recebessem o Espírito Santo — procedimento necessário para que ficasse claro que, à semelhança dos Judeus no dia de Pentecostes, outros povos podiam também ser aceitos na Igreja de Cristo (At 8.16-17). Nenhuma palavra sobre o passado deles na feitiçaria! Nenhuma instrução a Felipe para que anulasse os pactos demoníacos daquela gente! Os apóstolos consideraram que a obra de Cristo nos samaritanos, convertendo-os, era suficiente para romper os laços antigos de pecado, ignorância, superstição e incredulidade.
E mesmo quando o bruxo deu sinais de que ainda estava “amarrado” ao seu passado, a orientação de Pedro foi: “arrepende-te e ora ao Senhor” (Atos 8.22). Pedro viu que Simão estava ainda “em fel de iniquidade e laço de amargura” (Atos 8. 23), mas não julgou que a solução seria “anular” os compromissos do bruxo com o mundo dos espíritos. A solução era um verdadeiro arrependimento e oração ao Senhor.
As tendências destas ênfases da “batalha espiritual”, portanto, acaba sendo a de diminuir o poder e a eficácia da suficiência de Cristo na vida do crente, ao introduzir a necessidade de coisas como a quebra de maldições hereditárias como condição para que o crente verdadeiro usufrua plenamente das bênçãos que Deus lhe tem reservado em Cristo.
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