Por Antognoni Misael
Apesar do grande inchaço da igreja evangélica no Brasil e proliferação
de diversos movimentos neopentecostais e teologias que confrontam a
verdade do Evangelho, temos notado uma crescente busca pela teologia
reformada e sobretudo pela 'doutrina da eleição'. Isso é muito bom, pois
nos remete as bases de nossa fé, a suficiência de Cristo e a
exclusividade das Escrituras são determinantes para uma igreja saudável.
O que há de preocupante nisso? O perigo da ausência da ortopraxia! Ou
seja, o encantamento pela teologia a ponto de estacionar-se em uma via
de acúmulo de conhecimento na literatura cristã, na palavra de Deus, mas
sem compunção e transpiração de uma vida de Graça. No ditado popular,
muita teoria e pouca prática!
Obviamente podemos destacar algumas referências da popularização de uma
teologia equilibrada e sadia como John Piper e Paul Washer, dentre
outros. Notar jovens assistindo vídeos, compartilhando mensagens, e
experimentando um intenso desejo por Deus não tem preço. Mas ao mesmo
tempo também preocupa-nos notar que parte desse mesmo público tão
encantado com a doutrina da eleição e super abastecido de literatura e
mídia cristã, pouco leu e conhece a Bíblia.
Pensando nesse tema, resolvi comentar um trecho da carta de Paulo aos
Efésios, a saber que a carta é divida em duas partes, a primeira sobre
nosso chamado e a nossa nova identidade em Cristo, e a segunda sobre as
implicações práticas desse chamado. Ou seja, "se sou predestinado não
devo viver uma vida anarquizada de Deus", caso contrário, é como diz o
adágio popular: "a cruz nos peitos, e o diabo nos feitos".
Vejamos o capítulo 4.1-3, e diante da temática que, farei alguns
apontamentos que contribuirão relativamente para a compreensão do que
quero concluir. O apóstolo inicia com:
1 Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados,
Lembremos que após Paulo elucidar sobre a doutrina da eleição no
primeiro capítulo de Efésios, a nossa nova identidade, a união com os
judeus em um só corpo, agora ele vai direto para ortopraxia. Ao iniciar
com um “Rogo-vos pois”, o autor leva em consideração tudo aquilo
que disse aos seus leitores a respeito da Graça de Deus. Relembremos
alguns tópicos que Paulo destacou:
1) Demonstrou que a nossa nova identidade é planejada por Deus, conquistada por Cristo e aplicada pelo Espírito Santo (Ef. 1.2-14).
2) Paulo orou para que os crentes gentios soubessem de forma
PLENA e por compunção a vontade do mistério de Deus - isto é, atentassem
a antiga condição diante de Deus, o incompreensível amor elegível na
revelação de Cristo e o futuro glorioso separado para os eleitos no
senhor. (Ef. 1.16-23)
3) Ele retratou de forma dramática a condição individual de
judeus e gentios como MORTOS em delitos, separados do Senhor e debaixo
da ira de Deus. Desta feita, é determinante que se perceba que, para que
entendamos a dimensão imensurável da Graça de Deus é necessário que
tenhamos o conhecimento do pecado. (2.1-3)
Portanto, é como se, uma vez cientes de que estávamos debaixo da ira de
Deus, devemos entender que pela misericórdia dEle e por causa do grande
Amor com que nos amou fomos feito um Novo Homem criados em Cristo Jesus para boas obras
(Ef. 1.10). Assim, concluímos que a doutrina da eleição, diferentemente
do que alguns maus entendedores o fazem, nos impulsiona a uma vida
ativa, comprometida e piedosa diante do Senhor e dos homens, não
acomodada, mórbida, apegada na certeza da soberania sem que haja
responsabilidade humana, morte e sacrifício, ou, como Dietrich
Bonhoeffer chama de uma vida vivida sob uma Graça “Barata”.
Diante da compreensão da predestinação o que nos chama atenção não é o fato de já estarmos prontos e resolvidos diante de Deus, mas sim de buscarmos autenticar nossa vida em Cristo nos tornando santos e irrepreensíveis!
Chamou-nos muita atenção o fato de Paulo se preocupar com o real
entendimento dos gentios perante esta rica doutrina. Ao orar por eles
ainda no capítulo 3, ele intercede (18-19): “a fim de poderdes
compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a
altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo
entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus”.
Ou seja, era (e é para nós) de extrema relevância compreendermos a
profundidade deste mistério e Amor, ainda que não de forma toten,
revelado em Cristo, para que sejamos tomados de toda a plenitude em
Cristo e andemos nas obras. Ou seja, não basta compreender
teologicamente, é preciso compreender de forma plena e ser tomado com
certa compulsividade a viver na direção desta Graça.
Andar na vocação em que fomos chamados é viver diante do mesmo peso pelo qual a Graça de Deus fora revelada.
Voltando a citação feita acima sobre Bonhoeffer, em seu livro Discipulado
o autor leva-nos a compreender que este “andar” requer uma compreensão
de que a Graça de Deus é alvo mui valioso, é a nossa pérola de grande
valor, e que, o que custou caro para Deus não pode custar barato para a sua igreja:
“A graça barata é a graça que nós dispensamos a nós próprios. A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina comunitária, é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, é a absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado.
A graça preciosa é o tesouro oculto no campo, por amor do qual o ser humano sai e vende com alegria tudo quanto tem; a pérola preciosa, para cuja aquisição o comerciante se desfaz de todos os seus bens; o senhorio régio de Cristo, por amor do qual o ser humano arranca o olho que o faz tropeçar; o chamado de Jesus Cristo, pelo qual o discípulo larga suas redes e o segue.” (BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. Pág. 10)
Em suma, o que Bonhoeffer vem nos ensinar é que o convite de Cristo nos
implica a toda uma vida de discipulado, seguindo-o e andando de modo
digno pelo qual fomos chamados.
Conhecer um predestinado não tem tanto a ver com o discurso teológico do
irmão, com a erudição de sua homilética ou com as citações reformadas
que ele o faz, mas sim, pelo modo digno com o qual ele se apresenta ao
mundo, ao seu próximo e como ele projeta a sua fé.
Ainda, no capítulo 4.2-3, Paulo continua discorrendo como deve ser o “andar” correspondente da vocação: “com
toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos
outros em amor,esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do
Espírito no vínculo da paz.”
Ou seja, auto-intitulado eleito primeiramente deve viver em unidade com
seus irmãos apesar das divergências, e mais, deve expressar os
acessórios desta unidade através da humildade (como a de Cristo),
mansidão (gentileza) e a paciência. Para tanto, a força motriz e
reguladora do convívio e conduta deste eleito é AMOR - por isso
suportamos, e isso requer esforço, e sacrifício para manutenção da paz
entre os irmãos.
Por fim, ratificamos, o crente eleito em Cristo tem esta maior marca: o
amor. E ele simetricamente deve ser distribuído para Deus e para com o
próximo como resultando da compreensão relevante da nossa nova
identidade.
Dizer que é predestinado e viver uma vida "capenga" indigna da vocação
pela qual foi chamado, sinceramente, não dá. E lembrem-se, teologia sem
piedade pode nos tornar cínicos religiosos, e dos piores.
***
Antognoni Misael, buscando a cada dia andar na vocação digna pela qual foi chamado.
Fonte: Arte de Chocar
Nenhum comentário:
Postar um comentário