1.20
... conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim
dos tempos, por amor de vós.
Vimos anteriormente sobre a primeira
doutrina central da fé cristã, ou seja – “a redenção dos pecadores eleitos”. Pedro,
contudo, encetou, dizendo que os cristãos não foram resgatados pela prata ou
pelo o ouro do estilo de vida fútil que viveram recebidos como tradição de seus
antepassados, mas pelo sangue precioso de Jesus Cristo derramado na cruz em
sacrifício por eles (vs.18-19). Prosseguindo, o apóstolo enfatiza a segunda doutrina central da fé cristã, a
saber – a revelação do plano da redenção que aconteceu na eternidade, antes da
criação dos céus e da terra e que foi executada na história com a encarnação de
Jesus Cristo na sua primeira vinda. Em vista disso, acerca do plano da
redenção, três aspectos estão patentes aqui. Senão vejamos:
i. O
resgate foi planejado na eternidade. A última palavra do versículo 19 – Cristo – está ligada ao trecho seguinte
composto pelos versículos 20-21 na qual o complementa e o esclarece. Assim,
Pedro está dando continuidade ao assunto que ele começou a tratar no versículo
17 sobre o motivo de vivermos a vida cristã em reverência a Deus.
A expressão conhecido, com efeito, traduzida literalmente do grego προεγνωσμένου
(proegnosmenou) – “conhecido previamente [ou de antemão]”,
equivale não somente a presciência de Deus, que é a sua capacidade em conhecer um
evento antes que ele aconteça na história,38 mas abrange algo bem
maior. Todavia, o contexto revela que o propósito de Deus Pai está relacionado
primariamente à eleição que, em seguida, resulta na presciência ou no
conhecimento antecipado da mesma (vs.2; Ef 1.4). Desse modo, o significado da
expressão em voga implica que Cristo Jesus foi “predestinado” na eternidade
para ser o redentor dos pecadores eleitos.
Não obstante, a expressão antes da fundação do mundo se refere ao
período anterior à criação dos céus e da terra. “É uma maneira poética de falar da criação,
ressaltando o aspecto da ação criadora (ordenada e pensada) de Deus”.39 Logo,
Jesus não assumiu o papel de redentor após o mundo ter sido criado sendo o
plano B de Deus Pai para o “acidente” do pecado; antes, ele foi “escolhido” já
na eternidade para esta magna função (veja Ap 13.8; At 4.27-28; 2Tm 1.9).
De modo oportuno, William Barclay observa
que:
Às vezes temos a tendência de pensar em primeiro Deus como Criador e depois como Redentor. Pensamos que Deus criou o mundo e, depois, quando as coisas saíram mal, buscou algum modo de resgatar o mundo mediante Jesus Cristo. Mas aqui temos a majestosa visão de um Deus que foi Redentor antes de ser Criador. O poder e o propósito redentores de Deus, o amor redentor de Deus não são medidas de emergência às quais Ele se viu compelido quando as coisas foram mal. O divino propósito redentor se remonta a tempos anteriores à criação. Deus é Redentor tão eternamente como é Criador. Seu amor, assim como o seu poder, vai além do tempo.40
ii. O
resgate foi executado na história com a vinda do redentor. O Cristo predestinado
e que já existia antes da criação foi revelado, agora, no tempo estabelecido
por Deus Pai na história para cumprir o seu propósito de resgatar homens e
mulheres que procedem de todo o mundo (Ap 5.9). No grego, o verbo manifestado é um particípio passivo
aoristo que expressa de modo implícito Deus Pai como aquele que revelou Jesus
ao mundo como redentor, mas, especificamente aponta para o seu nascimento (para
detalhes sobre o nascimento de Jesus, veja Mt 1.18-25; Lc 2.1-7).
João 1.14 – E o verbo se fez carne e habitou entre nós... (Almeida Século 21)
Com a expressão fim dos tempos, Pedro não
se refere apenas ao período da vida de Jesus Cristo quando esteve neste mundo,
entretanto abarca todo o período desde o seu nascimento até a sua segunda vinda
em glória (veja At 2.17; 1Tm 4.1-2; 2Tm 3.1; Hb 1.2). Enquanto que no versículo
5 o apóstolo escreve sobre a conclusão da salvação que se dará no futuro, aqui,
a revelação de Cristo Jesus como o redentor dos pecado res eleitos é um fato
passado. A expressão fim dos tempos,
portanto, constitui a totalidade do tempo do fim inaugurado pela aparição do
Senhor Jesus, uma vez que Pedro entendia e realçou que estamos vivendo neste
período correspondente da história (veja também Rm 16.25-26; 2Tm 1.9-10).
iii. O
motivo do resgate. Pedro escreve aos seus destinatários históricos que a
escolha de Jesus Cristo como redentor desde a eternidade e a sua manifestação
no tempo consiste no amor incondicional de Deus Pai por eles (Jo 3.16). Todos
os cristãos – judeus e gentios são privilegiados pelo fato de Cristo tê-los
resgatado sem que merecessem tal libertação do pecado, da lei e da morte
eterna.
Romanos 5.8 – Mas Deus prova o seu amor para conosco ao ter Cristo morrido por nós
quando ainda éramos pecadores. (Almeida Século 21)
d) A
ressurreição do redentor. Após
elencar que Cristo Jesus foi predestinado por Deus Pai na eternidade para ser o
redentor dos pecadores eleitos, e que o plano de resgate já havia sido traçado
também na eternidade (vs.20), antes da criação e do pecado, finalmente, Pedro
encerra esta síntese deveras importante acerca das principais doutrinas da fé
cristã discorrendo sobre a ressurreição do Senhor Jesus.41
1.21
... que, por meio dele, tendes fé em Deus, o qual o ressuscitou dentre os mortos
e lhe deu glória, de sorte que a vossa fé e esperança estejam em Deus.
i. Os
cristãos têm fé em Deus mediante a
ressurreição de Cristo Jesus dos mortos.
O pronome vós, que
conclui o versículo 20, é explicado aqui. São aqueles que, através de Jesus
Cristo (vs.19) tem fé em Deus e são guardados pelo seu poder para a conclusão
da salvação que se dará no último dia (vs.5). Estes, contudo, são os leitores
históricos de Pedro e os cristãos em geral. É somente pelo Deus filho encarnado
que pagou o nosso resgate com o seu precioso sangue derramado na cruz em
sacrifício pelos nossos pecados, ressuscitou dos mortos (At 2.24, 32, 3.15;
13.30-31, 33, 34, 37; Rm 4.24; 10.9; 2Cor 4.14; 1Cor 15.3-8, 20-23; Hb 13.20) e
foi glorificado42 é que temos a fé salvadora e conhecemos a Deus Pai
(Jo 1.18; 14.6).
ii. A
fé e a esperança dos cristãos devem estar no Deus que também os ressuscitará e
os glorificará. Assim como Deus Pai mediante o Espírito Santo ressuscitou
Jesus Cristo dentre os mortos43 e lhe devolveu a glória que ele
tinha outrora antes da criação do mundo pela sua ascenção (Lc 24.51-53; Jo
17.4-5; At 1.9-11; Hb 1.1-3; 2.9), os cristãos, por meio dele, além de
ressuscitarem dos mortos também receberão glória e honra similares. Nessa mesma
linha de pensamento, Uwe Holmer corrobora que a ressurreição de Jesus constitui
a razão para que os que lhe pertencem também sejam ressuscitados, assim a
glorificação de Jesus é a razão para que os seus também recebam glória.44
A expressão – de sorte que a vossa fé e esperança estejam em Deus seria
melhor traduzida como – “de modo que a vossa fé e esperança possam estar
(fixadas) em Deus”.45
Aplicação prática
Tendo em vista a
perseguição que os seus primeiros destinatários estavam sofrendo como
peregrinos que eram nas regiões do Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia
(1.1c), Pedro os encoraja, dizendo que a fé e a esperança deles deviam estar
centradas em Deus porque a ressurreição e a glorificação de Cristo Jesus é a
garantia da ressurreição e glorificação deles e de todos os cristãos! Simon
Kistemaker acentua que a glória que Jesus tem agora será a nossa glória no
momento da ressurreição. Esta é a esperança que sustenta a nossa fé no Deus
triúno.46
_________
Notas:
38 A presciência de Deus
é mais que um simples conhecimento prévio de eventos futuros; antes, envolve os
seus decretos soberanos que foram estabelecidos na história para que todos os
eventos aconteçam nos momentos determinados.
39 Ênio Mueller. 1 Pedro – Introdução e
Comentário, pág 111.
40 William barclay. 1 Pedro, pág 61.
41 É provável que Pedro,
aqui, tenha feito alusão de um hino ou confissão doutrinária acerca das “quatro
fases do Cristo redentor”, as quais são: 1) A pré -existência de Cristo antes
da criação. 2) A encarnação de Cristo no tempo.
3) A ressurreição e glorificação de Cristo dos mortos. 4) A ascenção de
Cristo aos céus.
42
A palavra glória,
no grego δόξαν (doksa), aparece treze vezes nesta primeira carta de Pedro
(vs.7, 8, 11, 21, 24; 2.20; 4.11, 13-14; 5.1, 4, 10-11) e traz a ideia de
“honra e majestade”.
43 As três pessoas da Trindade estavam ativas
no processo da ressurreição de Cristo Jesus – Deus Pai (At 2.24; 3.15; 4.10; 4.10; 5.30; 10.40; 13.30, 33,
34; 17.31), o próprio Cristo (Jo 2.19-22; 10.17-18) e o Espírito Santo (Rm
8.11).
44 Uwe Holmer. Comentário Esperança. 1 Pedro,
pág 25.
45 O termo ώστε “que” é uma conjunção que introduz a
frase e resulta na expressão “de modo que”. O artigo definido “a” geri os dois
substantivos “fé” πίστιν (pistis) e “esperança” έλπίς (elpis). Apesar da tradução da ARA neste trecho
ser incerta, haja vista que o sentido aqui está mais inclinado para uma
afirmação indicativa, todavia, existe a possibilidade de entendê-lo também como
um imperativo (exortação). Em virtude de algumas possibilidades de tradução
para este trecho, prefiro interpretar “fé” πίστιν (pistis) e “esperança” έλπίς (elpis) como sujeito, de modo que “a fé e a esperança dos cristãos estejam (direcionadas) a Deus”.
46 Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro
e Judas, pág 95.
***
Fonte: Trecho extraído do Comentário Expositivo de 1 Pedro do autor.
Divulgação: Bereianos
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