AD em Recife. Ainda um pedaço de resistência legalista. |
Por Gutierres Fernandes Siqueira
Graças a Deus, hoje a Igreja Evangélica Assembleia de Deus não é mais um exemplo negativo de legalismo nos usos e costumes. Especialmente na última década houve mudanças significativas nos costumes assembleianos. É verdade que ainda há alguns bolsões, especialmente em cidades pequenas, onde o “pecado” é identificado com o “grave erro” de tomar banho na praia (!) ou assistir o Jornal Nacional. Todavia, hoje de maneira geral o assembleiano não teme o teatro e o cinema, a maquiagem e o jeans, o rock e o jazz, a teologia e a filosofia etc.
Mas, então, como nasceu essa maldição legalista no seio assembleiano? A explicação é dupla: o pietismo e a pobreza.
O pietismo.
Os missionários fundadores das Assembleias de Deus, assim como outros nomes que reforçaram o evangelismo e ensino nessa denominação, tinham formação batista pietista. Historicamente, o pietismo foi importante para reagir ao exagerado escolasticismo luterano ainda no final do século XVII. O escolasticismo pecava pelo cunho excessivamente racionalista e pouco preocupado com a espiritualidade. Porém, o antídoto pietista logo abraçou o seu próprio exagero espiritualista. O pietismo é uma visão de mundo, aliás, uma visão sem mundo, pois o mundanismo é confundido com o próprio mundo. Entenderam? Bom, no fundo o pietismo é acético, antipolítico e algumas vezes um tanto gnóstico, pois o mistério assume um papel tão revelante quando a verdade revelada. Além, é claro, do forte legalismo.
A pobreza.
A pobreza favorece o legalismo. Ora, é fácil condenar os costumes e os valores da classe média quando você não faz parte dela. Isso não vem de hoje. Na obra monumental de Edward Gibbon A História do Declínio e Queda do Império Romano, o historiador britânico comenta que no início do cristianismo a censura do luxo era uma constante entre os Pais da Igreja, mas esse discurso foi sendo esvaziado a medida que a classe rica romana aderiu ao
cristianismo nascente. Gibbson comenta[1]:
Em suas censuras ao luxo, os pais da Igreja eram extremamente minuciosos e circunstanciais; entre os diversos artigos que lhes excitavam a piedosa indignação podemos enumerar as perucas, os trajes de outra cor que não a branca, os instrumentos de música, os vasos de ouro ou prata, as almofadas macias (visto que Jacó pousava a cabeça numa pedra), o pão branco, os vinhos estrangeiros, os cumprimentos públicos, o uso de banhos quentes e o hábito de barbear-se, o qual, segundo a expressão de Tertuliano, é uma mentira contra nossos próprios rostos e uma tentativa ímpia de melhorar a obra do Criador. Quando o cristianismo se introduziu entre os ricos e os elegantes, a observância desses singulares preceitos foi deixada, como o seria hoje, aos poucos que aspirassem à superior santidade. Mas é sempre fácil, tanto quanto agradável, para as classes inferiores da humanidade, alegar como mérito o desprezo daquela pompa e daqueles prazeres que a fortuna lhes pôs fora do alcance. A virtude dos cristãos primitivos, tal como a dos primeiros romanos, tinha a guardá-la, com muita frequência, a pobreza e a ignorância.
Veja como o discurso é um tanto parecido com décadas anteriores das Assembleias de Deus. Hoje, porém, muitos assembleianos são de classe média e suas derivações. A classe média sempre frequentou cinemas, teatros, estádios e shows. Além disso, o final de semana na praia ou em algum clube esportivo também é parte dessa paisagem. A classe média é, também, ávida por produtos de beleza. Portanto, a forte pobreza extrema do norte e nordeste do país favoreceu a condenação “do mundo” pelas três primeiras gerações de assembleianos no Brasil. Veja que nos Estados Unidos, por exemplo, o problema do legalismo nunca foi central, logo porque os pentecostais assembleianos de lá já nasceram na classe média.
É uma boa notícia saber que o legalismo hoje é um problema menor, mas é igualmente preocupante saber que essa melhoria no conceito dos costumes não veio acompanhada do esforço no ensinamento bíblico, mas apenas por questões sociais e históricas.
Referência Bibliográfica:
[1] GIBBSON, Edward. Os cristãos e a queda de Roma. 1 ed. São Paulo: Penguin-Companhia das Letras, 2012. pos 535.
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