J.
K. Rowling, a autora da saga Harry Potter, assumiu recentemente que há
alguns anos sofreu de depressão grave. Mais: na época, a escritora
chegou a pensar em suicídio. O mundo reagiu com surpresa. Afinal, aquela
que é hoje uma das mulheres mais ricas e influentes do mundo mostrou
uma faceta de maior fragilidade e vulnerabilidade. “Nunca me
envergonhei de ter sofrido uma depressão. Nunca. De que deveria
envergonhar-me? Enfrentei uma etapa muito dura e estou orgulhosa de a
ter superado”, afirmou.
Enquanto
psicóloga, não posso deixar de aplaudir as declarações de Rowling – as
suas palavras, em forma de testemunho, contêm um importante valor
pedagógico, superior a qualquer palestra ministrada por um especialista
em saúde mental. Psicólogos e psiquiatras de todo o mundo falam e
escrevem diariamente sobre aquela que já foi denominada de “doença do
século XXI”: relatam casos reais, dissecam os sinais e sintomas,
desmistificam crenças irracionais, sempre na esperança de que quem os
ouça possa sentir-se mais esclarecido e, porventura, ajudado. Mas estas
palavras são, ainda, suficientes.
Apesar
de constituir tema de capa em diversas publicações, e de andar
sistematicamente nas bocas do mundo, a desinformação em relação à
depressão, às suas causas e consequências, ainda impera. E desengane-se
quem acha que essa desinformação é característica exclusiva das classes
baixas. Não raras vezes ouço autênticos disparates vindos de pessoas
formadas e, aparentemente, bem informadas.
Como
o preconceito anda de mãos dadas com a ignorância e o desconhecimento,
nunca é demais esclarecer, informar, desmistificar. Como podemos ajudar,
ser solidários com um familiar ou amigo que sofra desta doença, se, ao
mesmo tempo, alimentarmos mitos a seu respeito? Saliento apenas alguns:
MITO N.º 1: A DEPRESSÃO É UMA DOENÇA QUE AFECTA AS PESSOAS “FRACAS”. Nada
poderia estar mais longe da verdade. Qualquer pessoa pode ser afectada.
Repito: QUALQUER pessoa. A tristeza, a apatia e a falta de iniciativa
são sintomas comuns a muitos doentes depressivos e, como qualquer
sintoma, são consequências da própria doença. É precisamente por não
quererem receber o rótulo de fracas que muitas pessoas sofrem em
silêncio, em vez de pedirem ajuda. O desconhecimento, nestes casos, pode
agudizar a situação.
MITO N.º 2: A DEPRESSÃO ATINGE, SOBRETUDO, AS MULHERES. Esta
não é uma doença associada a um dos géneros, mas um dos corolários do
primeiro mito é a diferença que existe na forma como a doença se
manifesta em homens e mulheres. De um modo geral (há sempre excepções),
as mulheres estão mais habituadas a expor as suas emoções e a diferença é
ainda mais significativa no que diz respeito às emoções negativas, como
a tristeza, pelo que, são elas que mais facilmente identificam a
necessidade de recorrer à ajuda especializada. Muitos homens sentem
dificuldades seríssimas em admitir que podem estar deprimidos. Reprimem
as suas emoções, como se estas pudessem ser demonstrativas de frouxidão.
O que acontece na generalidade dos casos? Em vez de apresentarem os
sintomas “clássicos” de depressão, estas pessoas – mais homens do que
mulheres – evidenciam sinais de ansiedade, aceleração cardíaca ou outros
sintomas “físicos” com base nervosa. Aparecem muitas vezes nas
urgências hospitalares, assustados com a possibilidade de estarem na
iminência de sofrer um ataque cardíaco. Mas o episódio de pânico também
pode ser um sinal de depressão.
MITO N.º 3: A DEPRESSÃO NÃO TEM CURA. Pode
parecer estranho, mas a verdade é que quem confunde depressão com
fraqueza, acaba por confundir uma doença com uma característica de
personalidade. Ora, a depressão, como outras doenças, é tratável. Cada
caso é um caso, é verdade, e nem todos os pacientes respondem da mesma
forma às diferentes terapêuticas. Mas é fundamental que o doente
depressivo seja ajudado. Tal como acontece com outras partes do nosso
corpo, sempre que o nosso cérebro adoece, precisa de intervenção rápida.
Quanto mais precoce for essa ajuda, mais célere será a recuperação.
MITO N.º 4: QUEM TOMA ANTIDEPRESSIVOS ACABA POR FICAR VICIADO. Os
medicamentos são substâncias químicas prescritas por médicos
especializados, designados para responder a situações específicas de
doença. Os analgésicos, de venda livre, só devem ser tomados
pontualmente e em doses controladas. Ainda assim, sabe-se que há o
recurso abusivo a estes fármacos, com todas as consequências negativas
que daí resultam para a nossa saúde. Ora, os antidepressivos também só
devem ser tomados sob regras específicas. Um dos critérios para o uso
destes medicamentos é o acompanhamento médico - não basta pegar num
molho de receituários e ir aviando em função dos ciclos de humor! E
muito menos se espera que o desmame possa ser feito por iniciativa
própria. Cabe ao médico que os prescreveu acompanhar o doente nesta
fase, indicando-lhe a melhor forma de largar a medicação – nalguns
casos, o processo é muito gradual, para que não haja recidivas.
Como
se sabe, os psicólogos não prescrevem qualquer medicamento. Contudo,
não posso deixar de referir que a desvalorização desta terapêutica
equivale a renegar a importância de um anti-pirético em doentes febris.
MITO N.º 5: A DEPRESSÃO É FRUTO DE UMA EXPERIÊNCIA EMOCIONALMENTE INTENSA OU TRAUMÁTICA. Como
disse antes, a depressão tem muitas formas. Importa agora esclarecer
que as causas que lhe são subjacentes também são variadas. Só numa parte
dos casos é que a depressão pode ser considerada reactiva, ou seja, uma
resposta do nosso organismo a um episódio difícil, como uma perda,
desilusão ou atribulação. A depressão pós-parto é outra forma conhecida
da doença, nem sempre identificada: algumas mulheres desenvolvem esta
perturbação e, pelo embaraço de pedirem ajuda no período em que se
espera que estejam mais felizes do que nunca, acabam por prolongar o
sofrimento durante meses ou anos. Quantas famílias conhecem os efeitos
devastadores desta forma da doença! Mas existem muitos casos em que a
depressão surge sem aviso prévio ou qualquer episódio que lhe possa ser
associado. Mais uma vez, o desconhecimento pode ser inimigo do doente:
como não consegue atribuir uma causa aos sintomas, a própria pessoa pode
viver em negação durante algum tempo, adiando o pedido de ajuda.
Volto,
então, às palavras de J. K. Rowling. De que deveria envergonhar-se? De
nada, claro. Adoeceu, viveu tempos difíceis, recorreu à ajuda da sua
médica de família e foi encaminhada para técnicos especializados,
recebendo o tratamento adequado à sua situação. Afinal, não é isso é que
é exigível em todas as situações de doença? Por que hão-de as doenças
do foro mental, e a depressão em particular, ser alvo de discriminação?
Numa
altura em que os meios de comunicação se interessam tanto pelos
escândalos que envolvem as figuras mediáticas, importa dar a esta
entrevista a importância que verdadeiramente tem. No mínimo, porque os
casos de alcoolismo, consumo de drogas e tentativas de suicídio que se
conhecem das celebridades são comuns a muitos anónimos e resultam
também, em muitos casos, de dificuldades pessoais ou relacionais em que
não houve intervenção precoce.
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